O Banco Central calcula que a probabilidade de a inflação ficar acima do teto da meta neste ano é de 83%. O dado consta no relatório trimestral, divulgado nesta quinta-feira (30). No documento anterior, em dezembro de 2022, o risco era de 57%.
 

A projeção de inflação do BC para este ano, em seu cenário de referência, é de 5,8%. Pelo sistema de metas, o alvo fixado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) para 2023 é de 3,25% —com 1,5 ponto percentual de tolerância para cima e para baixo.
 

Em cenário alternativo, no qual a taxa básica de juros (Selic) é mantida constante ao longo de todo o horizonte relevante (que inclui 2023 e, em grau maior, 2024), a estimativa de inflação é de 5,7% para este ano.
 

Se confirmado o estouro, será o terceiro ano consecutivo que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) fica acima do limite a ser perseguido pelo BC.
 

Quando a inflação anual fica fora do intervalo de tolerância, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, precisa escrever uma carta ao ministro da Fazenda explicando as razões para o descumprimento do objetivo.
 

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o índice oficial de inflação do Brasil acelerou em fevereiro para 0,84%, com a pressão dos reajustes na área de educação. Em 12 meses, o IPCA passou a acumular alta de 5,60%.
 

Na prévia de março, a inflação desacelerou, mas a pressão exercida pelo preço dos combustíveis compensou o aumento mais fraco dos preços de alimentos.
 

As projeções de curto prazo do BC consideram variações de 0,87% em março, 0,63% em abril, 0,28% em maio e 0,29% em junho. Nesse cenário, a inflação acumulada em 12 meses recuaria de 5,60% em fevereiro para 3,79% em junho.
 

No entanto, a instituição prevê que o IPCA volte a subir no terceiro trimestre, quando será retirada do cálculo a variação negativa do índice no mesmo período de 2022, devido às medidas de desoneração tributária sobre combustíveis.
 

Segundo o BC, no trimestre encerrado em fevereiro, o IPCA apresentou variação 0,42 ponto percentual abaixo do cenário de referência apresentado no relatório anterior. "Foi determinante para a surpresa que a reoneração dos impostos federais sobre combustíveis, então prevista para ocorrer no início de janeiro, só viesse a ocorrer em março, parcialmente", afirma.
 

De acordo com a autoridade monetária, alguns dos principais fatores que levaram à revisão para cima das projeções de inflação são a elevação das expectativas, revisão das projeções de tarifas de energia elétrica em função de decisão liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) e estimativa de hiato do produto (que mede a diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo) mais fechado.
 

"Na comparação com o relatório de inflação anterior, no cenário de referência, as projeções de inflação aumentaram para todo o horizonte considerado a partir do terceiro trimestre de 2023", diz o texto.
 

Para 2024 e 2025, o BC vê 26% e 17%, respectivamente, de chance de a inflação ficar acima do teto da meta –as estimativas são de 3,6% e 3,2%. Nos dois próximos anos, o BC deve perseguir 3% como objetivo central, também com 1,5 ponto percentual de tolerância para cima e para baixo.
 

Em dezembro do ano passado, as projeções do cenário de referência para o IPCA eram de 5% para 2023, 3% para 2024 e 2,8% para 2025.
 

O relatório trimestral de inflação trouxe também a revisão do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) para este ano, que subiu de 1% para 1,2%.
 

De acordo com o BC, a elevação moderada do indicador reflete "surpresas positivas em alguns componentes do setor de serviços no quarto trimestre de 2022 −deixando carregamento estatístico do setor para 2023 ligeiramente maior do que o anteriormente esperado−, melhora nos prognósticos para a indústria extrativa e os primeiros indicadores do primeiro bimestre de 2023."
 

"Apesar da revisão, a projeção continua refletindo cenário prospectivo de desaceleração da atividade econômica em 2023, na comparação com os dois anos anteriores. Espera-se que o crescimento no ano tenha contribuição relevante do setor agropecuário", diz o documento.
 

A estimativa do BC para o PIB é menos otimista que a do Ministério da Fazenda, que calcula expansão de 1,61% em 2023. Já o mercado financeiro, de acordo com a pesquisa Focus mais recente, projeta crescimento de 0,9% para este ano.
 

Quanto ao cenário de crédito, a projeção de crescimento do saldo foi revisada pelo BC para 7,6%, ante 8,3% na estimativa feita em dezembro.
 

"O recuo da projeção foi determinado pelo crédito livre, refletindo a surpresa negativa com os dados divulgados no último trimestre de 2022 e a elevação da trajetória esperada para a taxa de juros básica", afirma.
 

No relatório, o BC reconhece que a inadimplência tem apresentado crescimento relevante.
 

"No caso das operações com pessoas físicas, o nível já é maior do que o observado no final de 2019, apontando para a importância de outros fatores, tais como o maior comprometimento de renda, a piora na composição do crédito e seu encarecimento", diz.
 

Segundo a instituição, os atrasos concentram-se principalmente no cartão de crédito rotativo e, em menor proporção, no crédito pessoal não consignado e nos financiamentos de veículos.
 

Em um aceno ao governo, o BC faz menção ao programa Desenrola Brasil, bandeira da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Neste tema, cabe destacar que o governo federal pretende instituir em breve programa para estimular a renegociação de dívidas das famílias, dentro e fora do SFN [Sistema Financeiro Nacional]."

Foto: Marcello Casal Jr. / EBC