A bancada evangélica iniciou articulação para aprovar uma emenda à Constituição que aumenta os benefícios tributários para as igrejas, possibilitando que haja imunidade para gastos com energia elétrica e até mesmo para a compra de bens, como carros e aviões.
Especialistas em direito tributário ouvidos pela Folha dizem que a proposta vai na contramão de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) e tem brechas para distorções, se não for melhor regulamentada posteriormente.
O idealizador da proposta, deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), procurou o apoio do Palácio do Planalto, que se encontra em um momento de fragilidade no Congresso Nacional, buscando construir uma bancada aliada.
O parlamentar esteve nesta semana com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para pedir apoio à PEC (proposta de emenda à Constituição). Dele ouviu que, em princípio, o governo não se oporia à medida, mas que serão ainda avaliados internamente impactos e posicionamento oficial.
Segundo relatos, Padilha também teria dito que conduziria o tema sem filtro religioso e que, se a proposta for adiante, será um debate suprarreligioso e valerá para todas as fés e crenças, de templos evangélicos a centros de umbanda.
"Acho que vou contar com o apoio dele. Conheço o Padilha há muitos anos. Sei também que ele apoia o trabalho que todos os tempos religiosos fazem no Brasil, independente de denominação", disse Crivella.
"Gostaríamos muito de ter o apoio do PT, como tivemos o apoio de diversos outros parlamentares de todos os partidos", completou. O texto teve mais de 300 assinaturas para ser protocolado e precisa de 171 votos no plenário para ser aprovado.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda busca consolidar sua base de apoio no Congresso. Padilha não costuma dizer a quantidade de parlamentares da base, porque diz que deputado não é gado para ser contado.
O fato é que o Planalto tem trabalhado para, além dos votos de aliados e partidos da frente ampla, buscar expandir para partidos de centrão no "varejo", inclusive aqueles que eram da coligação de Jair Bolsonaro -além do PL de Bolsonaro, o Republicanos e o PP.
A PEC que aumenta a imunidade tributária da igreja foi protocolada oficialmente na quarta-feira (15), contando com um número expressivo de assinaturas: 380. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou logo na sequência que a proposta seria remetida "imediatamente" para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
A proposta isenta não apenas instituições religiosas de pagar ICMS, ISS e IPI, mas também partidos políticos, inclusive fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, que são já classificados pela Constituição como imunes.
Portanto, se aprovada da forma como está, reduziria a conta de luz de um templo religioso ou da sede de um partido político, mas poderia também comprar um carro de luxo em nome da entidade sem pagar impostos -é justamente esta a distorção apontada por especialistas.
"A PEC pretende que os bens e serviços adquiridos pelas igrejas não paguem ICMS, ISS e/ou IPI. Por exemplo, se a igreja comprar um carro, lancha ou avião, não pagaria ICMS na aquisição. Se for isso mesmo, vai muito além de qualquer entendimento judicial, inclusive do STF", afirmou Flávio Prado, vice-presidente da Delegacia Sindical de Santos do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal).
Prado acrescenta que as decisões do Supremo chegaram a garantir apenas isenção de IPTU e IPVA para imóveis e veículos de igreja.
"Outro exemplo: todas as igrejas passariam a pagar contas de energia mais baratas, já que não haveria o ICMS embutido no valor da conta de energia. E, é claro, fica implícito que todos os demais contribuintes terão que sustentar essa conta", completou.
Para professores de direito tributário, a medida expande de forma ampla a imunidade, na contramão do STF, mas poderia passar a valer, caso assim julguem os parlamentares. Contudo, não da forma como está, precisaria de modificações para impedir que ocorram distorções permitindo irregularidades.
"Essa emenda constitucional vai além do que o Supremo disse? Formalmente, sim, mas acho que tem que rever. Hoje pela jurisprudência do STF o que essa proposta de emenda faz é alargar. Tem subsídios para isso, tem, mas está alargando", disse Bianca Xavier, professora da FGV do Rio de Janeiro.
Para Heleno Torres, professor da USP, a proposta pode ser positiva em casos específicos, em especial para educação. Ele cita, por exemplo, contas de luz mais baratas, sem ICMS, de escolas municipais, com orçamentos apertados.
"O que tem que evitar são escândalos. Há potencial de escândalo, abuso, de compra de jatinho para partido político, imunidade para comprar móvel para casa de presidente de partido. Isso que tem de coibir", disse Torres.
Mais além, ele defende que a proposta seja aprovada, se houver uma lei complementar para limitar o benefício para atividades essenciais e especificar quais são.
Na justificativa do texto, Crivella, bispo licenciado da Universal, argumenta que o objetivo é apenas propor a "textualização" daquilo que o Supremo Tribunal Federal já havia decidido. No entanto, tributaristas apontam que ela não apenas extrapola essas decisões como vai na direção contrária do entendimento dos ministros do STF.
A decisão jurídica em que a PEC se apoia não dizia respeito, especificamente, sobre imunidade tributária. Hoje a norma que vale é a que proíbe a ampliação de benefícios tributários em bens e serviços.