O governo deve estender o prazo para empresas municipais de saneamento cumprirem regras do marco do setor, instituído em 2020. Com a mudança, elas terão mais tempo para promoverem a chamada regionalização —quando passam a participar de uma estrutura que atende a mais de uma cidade.
 

A regionalização foi prevista com o objetivo de contribuir para dar mais viabilidade aos investimentos, em razão do ganho de escala das operações. De acordo com especialistas, a regionalização é positiva porque permite operações maiores e, assim, redução de custos. Além disso, torna possível a municípios cujas licitações sozinhas não são atraentes se juntar a outros mais rentáveis —promovendo a ampliação da prestação do serviço.
 

O marco não estabelece como a regionalização deve ocorrer, mas alguns caminhos possíveis são a extinção dos serviços municipais e a criação de uma licitação conjunta para um grupo de cidades (caso de Alagoas) ou a criação de uma estrutura de governança única detida pelas empresas municipais. Ainda é possível que as empresas se fundam.
 

O marco do saneamento determinou que a alocação de verbas federais ou a concessão de empréstimos com recursos da União ficam condicionados à existência de uma prestação de serviço regionalizada. Por isso, as companhias municipais ficam impedidas de contratar financiamentos com recursos da União após 31 de março caso não tenham promovido a regionalização. A expectativa é que a prorrogação desse prazo seja anunciada neste mês.
 

A alteração é apoiada pelas empresas do ramo e agrada a integrantes do governo, que querem dar plenas condições para que companhias municipais também possam continuar operando diante do novo marco legal.
 

"Caso [as empresas não regionalizadas] deixem de investir por causa dessa regra, a meta de 2033 será uma miragem", diz o secretário-executivo da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento), Francisco Lopes.
 

O marco legal do saneamento, sancionado em 2020, definiu 2033 como meta para a sua universalização —ou seja, fornecer água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%.
 

De acordo com Lopes, as discussões apontam 2026 como novo prazo para a regionalização. Os serviços municipais de saneamento representam um quarto do setor, que tem também empresas estaduais e privadas.
 

A maior empresa municipal de saneamento do Brasil é a Sanasa, de Campinas (SP). O presidente da companhia, Manuelito Magalhães, diz que o principal entrave para a regionalização é que o?s mandatários locais não querem abrir mão de operar o serviço em seu município, o que acaba acontecendo com a regionalização.
 

Isso foi observado em parte de Alagoas, estado que tem uma experiência considerada bem-sucedida de regionalização —com 85 dos 102 municípios aderindo ao mecanismo. "Por questões políticas locais, acabou não tendo todos", diz George Santoro, secretário de Fazenda do estado.
 

Antes da regionalização, 70% dos municípios que aderiram ao processo tinham a empresa estadual como prestadora, e 30% tinham serviços próprios. Eles foram aglutinados em três blocos, licitados em 2020 e 2021. Três companhias diferentes venceram os certames, que ficaram responsáveis por todas as cidades.
 

Os investimentos esperados são de R$ 7 bilhões. A empresa estadual ficou apenas com o fornecimento de água.
 

A Sanasa, de Campinas, chegou a participar de discussões com o governo de São Paulo para se regionalizar também, mas as discussões não avançaram. Agora, a ideia é modelar blocos menores.
 

Apesar do consenso quanto ao maior prazo para a regionalização, o governo, empresas municipais, estaduais e privadas divergem em outras questões sensíveis.
 

A principal delas diz respeito aos cerca de 420 contratos entre empresas estaduais e municípios que venceram sem que o serviço deixasse de ser prestado. Nesses casos, a lei atual prevê que uma licitação seja feita. A empresa estadual que presta o serviço pode participar do certame e deverá apresentar condições melhores do que as concorrentes para continuar com o serviço.
 

As empresas estaduais, no entanto, querem continuar a prestar o serviço mesmo sem licitação —o que é criticado pelas empresas privadas do setor. Procurada, a Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento) não quis dar entrevista.