O juiz federal substituto, Felipo Livio Lemos Luz, da Subseção Judiciária de Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia, autorizou a entrada do professor Leonardo Tocchetto Pauperio, nas dependências da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mesmo sem ter se vacinado contra a Covid-19. O pedido foi feito em um mandado de segurança, pois o professor agendou viagem para Salvador para aplicar às provas da disciplina que ministra na UFBA, nesta quinta-feira (3).
O magistrado, colega de toga do professor, que também é juiz federal, determinou que o acesso só seja permitido se houver apresentação de um teste negativo para o vírus causador da doença. Pauperio é professor 3ª Grau concursado da Faculdade de Direito da UFBA e juiz federal da 1ª Região, e, atualmente, reside em Brasília.
Na petição, o professor alega que a UFBA, através do Conselho Universitário determinou o restabelecimento do formato presencial das atividades acadêmicas e administrativas a partir do segundo semestre letivo de 2022. Mas condicionou o retorno com apresentação do passaporte vacinal para estudantes, professores e servidores. Para o acesso de não-vacinados, a universidade determinou a comprovação de contraindicação médica para a vacinação. Pauperio alega que, desta forma, a UFBA forçou a vacinação de professores ou a submissão dos “desobedientes” a possíveis sanções disciplinares por descumprimento da resolução, inicialmente com descontos de salários, mas podendo chegar na demissão. Ele diz que está sendo perseguido por alunos e por alguns professores comunistas e está impedido de entrar na Faculdade de Direito por ser um não-vacinado, e que, por isso, iniciou o semestre dando aulas online por “simplesmente não ter outra alternativa”.
Ele justificou não ter tomado a vacina por ter perdido entes queridos “logo após terem se vacinado”. “Os atestados de óbito não foram conclusivos, mas tudo indica que eles morreram pelas reações causadas pelas vacinas! E por isso – aliado a um histórico de asma crônica muito forte na família – o autor optou por não se vacinar, ficou com medo de morrer e deixar quatro filhos órfãos, e mais um que ainda nem nasceu”, sustentou no pedido direcionado à Justiça Federal.
O professor, que se declara conservador e cristão, diz que houve uma “reunião secreta” na faculdade no dia 27 de outubro, entre o movimento estudantil e o diretor da faculdade, professor Júlio Rocha, para articular um boicote contra ele, “com ameaças de trancamento coletivo da disciplina, impedimento de o professor entrar na faculdade e aplicar as provas de sua disciplina, tudo isso em razão do autor ter optado por não se vacinar”. Contou que um colega afirmou que não estava havendo fiscalização na universidade, não sendo exigido o comprovante de vacinação para entrar na faculdade. Para ele, o ato é uma “escancarada tentativa de induzir o autor a fazer algo que lhe seja prejudicial e que comprometa sua reputação ilibada”.
Pauperio diz na ação que o “simples fato” de optar por não se vacinar, “de maneira alguma pode ser classificado como ato criminoso ou mesmo equivalente”, pois se trata ‘tão somente de uma mera opção de vida do autor, adotada em razão de conhecer diversas pessoas próximas que tiveram complicações de saúde após se vacinarem, chegando em alguns casos à óbito”.
Ele leciona Sociologia Jurídica, e aborda nas aulas temas como “Direito e Família”, “Direito e Religião”, “Controle Social”, “Mudança Social”. E salienta que a faz “com o devido respeito pelas opiniões em sentido contrário, uma abordagem ‘diferente’ da cartilha ideológica dos comunistas, e também dos comunistas ‘disfarçados’”. Acrescenta ainda que, na prática, o papo de democracia na faculdade “é perseguição, cancelamento e demissão”. “É isso que desejam e tentam fazer”, assevera.
Entre suas pautas de defesa estão: a) que as raízes cristãs e familiares do povo brasileiro integram o seu patrimônio cultural e sua liberdade religiosa, e que os cidadãos brasileiros têm direito às suas tradições; b) têm direito de serem cristãos - se assim desejarem -; c) têm direito de entender que o casamento entre um homem e uma mulher é algo presente nas nossas tradições, e que isso tem um valor na nossa organização social – sem desmerecer ou desrespeitar aqueles que optem por uniões homoafetivas -; d) que propostas de que uma criança possa ser submetida a uma cirurgia de mudança de sexo (transexualização) contra a vontade dos pais é inconstitucional; e) que não se pode ensinar ideologia de gênero para crianças a partir dos 3 (três) anos de idade.
Após os esclarecimentos, o professor e juiz federal pediu que a UFBA não exija a apresentação do comprovante de vacinação, ou que a faculdade apenas exija a apresentação do teste negativo para Covid-19, ou que ainda o autorize a ministrar aulas online até o fim da exigência do passaporte vacinal. Na decisão, o juiz federal Felipo Livio Lemos Luz, afirma que, apesar do autor apresentar argumentos para justificar não ter tomado a vacina contra a Covid-19 por ter perdido entes queridos e pelo histórico de asma crônica muito forte na família, “não há qualquer comprovação dessas alegações, nenhum relatório, laudo ou atestado médico”, “não sendo possível concluir que possui orientação médica contrária à vacinação ou é pessoa com enfermidades/comorbidades que resultem na contraindicação da vacina”.
O juiz da Subseção de Teixeira de Freitas afirma que é sabido que os benefícios da vacina contra a Covid-19 “superam em muito o risco de eventos adversos graves”. “O Ministério da Saúde aponta que 92% das reações registradas desde o início da vacinação foram classificadas como não graves, sendo que o risco de óbito pela Covid-19 é 56 (cinquenta e seis) vezes maior do que o risco de ocorrência de um evento adverso relacionado à vacinação, conforme amplamente noticiados nos veículos de informação”, escreveu na decisão liminar.
O magistrado afirmou que não vislumbra a alegada violação aos “princípios da dignidade humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e da liberdade, pois é forçoso reconhecer que nenhum dos princípios norteadores de nosso ordenamento jurídico é absoluto, de modo que a liberdade individual deve ser relativizada quando houver risco de prejuízo para toda a coletividade e para a saúde pública, como ocorreria em eventual aumento de casos de Covid-19”, com quase 700 mil pessoas mortas no país em decorrência da doença.
Felipo Livio Lemos Luz acrescentou que a vacina evita a superlotação dos leitos de hospitais e o colapso do sistema de saúde, e que, por isso, entende “não haver ilegalidade na exigência do passaporte vacinal, desde que assegurada a exceção aos indivíduos que possuam contraindicação médica comprovada”. Entretanto, salientou que deve ser assegurada a entrada do professor na universidade desde que esteja portando teste negativo para o SARS-CoV-2.
Os alunos da Faculdade de Direito se queixam pelo fato do professor ter “abandonado” as aulas presenciais e utilizar aplicativos para lecionar a distância que não são autorizados pela UFBA. Além do mais, reclamam pelo fato do professor fazer chamada na modalidade virtual, o que não estava previsto nos regulamentos da universidade.
A Universidade Federal da Bahia recebeu o processo, que foi encaminhado para a Procuradoria Federal junto à UFBA, que a representa em questões judiciais. (Acréscimo de informação às 13h45)