O Brasil está há um semestre com inflação ao consumidor acumulada acima de 10%, apontam dados divulgados nesta sexta-feira (11) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
 

Em fevereiro, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) atingiu 10,54% no acumulado de 12 meses.
 

Desde setembro de 2021, ou seja, há seis meses, o indicador registra inflação de dois dígitos nessa base de comparação.
 

A última sequência tão ou mais longa de IPCA acima de 10% ocorreu entre 2002 e 2003. À época, a inflação acumulada em 12 meses ficou em dois dígitos durante 13 divulgações, de novembro de 2002 a novembro de 2003, sob efeito da pressão do câmbio em meio a turbulências da área política.
 

Na visão de economistas, a taxa atual de 10,54% espelha em grande parte os efeitos da pandemia sobre os preços. Durante a crise sanitária, cadeias produtivas globais foram desajustadas, causando descompasso entre oferta e procura.
 

Ao mesmo tempo, petróleo e commodities agrícolas tiveram alta. Com o dólar subindo no Brasil em meio a episódios de tensão política, o resultado foi o impacto sobre os preços finais de produtos como combustíveis e alimentos.
 

A inflação também foi pressionada nos últimos 12 meses por fatores como a crise hídrica, que encareceu as contas de luz.
 

Para complicar a situação, os efeitos econômicos da guerra entre Ucrânia e Rússia devem dificultar o combate ao avanço generalizado dos preços a partir de março.
 

É que o conflito causou nova disparada de commodities como o petróleo, e os reflexos começam a chegar ao bolso dos brasileiros.
 

Em razão do avanço das cotações no mercado internacional, a Petrobras anunciou na quinta (10) um mega-aumento de gasolina, óleo diesel e gás de cozinha nas refinarias.
 

O reajuste passou a valer nesta sexta, e o temor de analistas é que a alta dos combustíveis se espalhe por diferentes setores da economia. Assim, a desaceleração do IPCA para baixo de 10% no acumulado de 12 meses tende a ser mais complicada.
 

"Com a pandemia, houve desarranjo nas cadeias produtivas globais, e o rearranjo era lento antes da guerra. O conflito deve atrasar ainda mais esse processo, além de impactar preços de commodities", avalia o economista Fábio Romão, da LCA Consultores.
 

"É por isso que o mercado está revendo suas projeções para o IPCA", completa.
 

A LCA Consultores elevou de 6% para 6,5% a projeção para a inflação de 2022. Novos avanços não estão descartados, segundo Romão. Já há instituições financeiras projetando IPCA acima de 7% até dezembro.
 

"Os dados até fevereiro ainda não mostram os efeitos das altas de commodities com a guerra. Então, o quadro para 2022 é de inflação elevada não só aqui no país, mas em termos globais", afirma o economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles.
 

Com a tensão geopolítica, o banco revisou de 5,5% para 6% a estimativa para o IPCA de 2022, com viés de alta. Salles diz que a guerra traz uma série de incertezas para o cenário macroeconômico, mas ele entende que a inflação brasileira pode perder força a partir da metade do ano, com uma trégua nas tarifas de energia.
 

Em razão da seca que atingiu o país no ano passado, entrou em vigor em setembro a bandeira de escassez hídrica, que eleva as contas de luz. A expectativa de analistas é que haja uma mudança de bandeira a partir de maio, devido à melhora na situação dos reservatórios.
 

Isso, diz Salles, poderia gerar algum alívio para os consumidores, ajudando na desaceleração do IPCA para baixo de 10%.
 

Romão vai na mesma linha. Além de uma possível mudança nas contas de luz, o efeito dos juros mais altos poderia fazer o IPCA voltar para um dígito.
 

"Mesmo assim, vamos continuar com um nível indesejado de inflação", pondera.
 

Segundo economistas, eventuais mudanças nas previsões para o IPCA deste ano vão depender em grande parte da duração do conflito na Ucrânia, que ainda é incerta.
 

Como mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo, o mega-aumento de combustíveis pode detonar um ciclo vicioso de mais inflação, juros e dívida pública na economia brasileira.
 

A inflação persistente pode exigir que o Copom (Comitê de Política Monetária), do BC (Banco Central), reforce a subida de juros ao longo de 2022 —e mantenha a taxa básica elevada por mais tempo no ano que vem.
 

Em uma tentativa de conter o avanço dos preços, o colegiado levou a Selic para 10,75% ao ano na reunião mais recente, em fevereiro.
 

O próximo encontro do Copom está agendado para os dias 15 e 16 de março. A LCA elevou a projeção para a Selic em 2022 de 12,25% para 13%. O C6 Bank, por sua vez, prevê 12,75%.
 

Já há instituições enxergando taxa acima de 13% até dezembro.