Com Rússia e Ucrânia --dois dos principais produtores e exportadores de trigo do mundo-- em guerra, os preços do pãozinho nas padarias e de alimentos dependentes do cereal em sua produção devem subir devido à alta dependência do Brasil da importação.
 

Quanto vai subir? Isso é incerto, dependendo da duração do conflito no Leste Europeu e de fatores como o comportamento do dólar. Depois de recuar a R$ 5 na quarta-feira (23), a moeda norte-americana subiu a R$ 5,10 nesta quinta (24).
 

O Brasil é um dos maiores importadores de trigo do mundo, tendo de buscar em outros países, especialmente a Argentina, 60% do que consome, segundo a Abitrigo (Associação Brasileira das Indústrias de Trigo).
 

Com isso, qualquer conflito envolvendo gigantes do setor, como são os casos de russos e ucranianos, abala o mercado. Neste ano, os embarques rumo ao Brasil somarão 6,5 milhões de toneladas, 85% deles provenientes da Argentina.
 

"O preço do trigo subiu muito nos últimos dias no mercado internacional, a Bolsa de Chicago chegou a fechar a área de trigo [nesta quinta] porque chegou no limite. Com Rússia sendo primeiro exportador mundial e Ucrânia o quarto, no mercado internacional a perspectiva de uma alta do produto elevou o preço em todos os mercados", disse Rubens Barbosa, presidente da Abitrigo.
 

Logo na abertura do mercado na cidade norte-americana, o trigo atingiu US$ 9,26 por bushel (27,2 quilos), 5,7% mais que o fechamento da véspera.
 

Para Barbosa, a previsão é que nos próximos quatro ou cinco meses o preço continue subindo, para estabilizar ou cair a partir de julho/agosto, quando começará a entrar a safra do hemisfério norte.
 

"Mas tudo dependerá da extensão da guerra. O trigo é um problema sério, ficamos na dependência, muito vulneráveis. É pandemia, frete, agora essa questão bélica, que nada tem a ver com a gente."
 

Apesar disso, a associação não projeta a possibilidade de desabastecimento nos próximos meses, pois as negociações da atual safra já foram efetuadas.
 

Outro problema que pode encarecer o trigo --e outras culturas-- é a incerteza em relação aos fertilizantes. A Rússia está entre os maiores produtores de cloreto de potássio e outros produtos nitrogenados para fertilizantes.
 

Pesquisador do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) e docente da Esalq/USP, Lucilio Alves disse que, embora os países envolvidos diretamente na guerra sejam Rússia e Ucrânia, os preços da Argentina subirão, impactando o Brasil.
 

"Os preços internacionais sobem e o da Argentina vai subir porque, se não subir, outros mercados passarão a demandar mais produtos da Argentina. Isso acabaria causando reação também", afirmou.
 

Para chegar ao consumidor, o preço deverá levar "algumas semanas ou mais", na avaliação de Alves.
 

"O moinho tem de absorver e repassar ao próprio derivado do trigo. No repasse, incorpora outros tipos de custos, então esse repasse não é imediato. Depois tem o atacado e o varejo e, só depois, aí sim o consumidor. Num contexto médio nacional é para termos um certo delay."
 

O setor de panificação projeta que os aumentos que já têm ocorrido nos últimos meses seguirão, mas ainda por efeito da oscilação cambial, não da guerra.
 

"Os moinhos estão segurando os preços, não repassaram ainda totalmente o dólar, e nós também não conseguimos repassar o preço do aumento da farinha que houve. A renda das famílias não cresce. Mesmo com a recuperação do emprego, elas não têm a mesma renda, e nosso negócio depende disso", disse Antonio Saú Rodriguez, diretor de marketing da Sampapão, que engloba sindicato, associação, instituto e fundação ligadas à panificação em 32 cidades da Região Metropolitana de São Paulo.
 

Segundo ele, como a safra atual já está comprada, se a guerra não durar muito talvez o Brasil consiga sofrer menos.
 

"O problema é que uma guerra a gente sabe quando começa, mas não quando nem como termina", disse.
 

Para Alves, do Cepea, a proximidade do período de plantio no Brasil, entre abril e junho, pode acabar atraindo mais produtores para o mercado em virtude dos esperados reajustes.
 

"Podemos ter um número maior de produtores querendo entrar na área de trigo diante do cenário internacional. Com esses preços, pode ser favorável ao produtor."

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil