Reportagem originalmente publicada no Jornal da Metropole, em 17 de fevereiro de 2022
Faz pouco mais de um ano que a Ford anunciou o encerramento das atividades na planta de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, mas a Bahia ainda amarga o fim da relação. O estado encerrou 2021 com a maior queda na produção industrial do país, segundo dados do IBGE. O recuo, em 13,2%, é o pior dos últimos 18 anos. O instituto atribui o declínio ao desempenho negativo da indústria de transformação, já que a extrativa apresentou crescimento de 7,3%.
A produção baiana despencou sobretudo pelo encolhimento de 94,9% na fabricação de veículos — a montadora americana, sozinha, representava de 0,5 a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia, de acordo com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI). Coordenador de contas e finanças da pasta, João Paulo Caetano assegura que, nos dias de hoje, a ausência da Ford equivaleria a um déficit de R$ 7 bilhões na receita.
“Se considerarmos toda a cadeia, desde a peça até o fornecimento de insumos, daria em torno de 3 a 4% do PIB”, explica o economista, ao referenciar um estudo realizado em 2019, quando a Ford, ainda estabelecida na Bahia, mantinha cerca de 6 mil empregos diretos e indiretos em Camaçari e adjacências. “Foi um impactomuito significativo para todo o setor, tanto em volume quanto em valores. A queda da produção está muito relacionada a essa ausência”, considera Caetano.
No ano passado, a indústria brasileira cresceu 3,9% e teve resultados positivos em 10 dos 15 locais analisados pelo IBGE. Os maiores aumentos ocorreram em Santa Catarina (10,3%), Minas Gerais (9,8%) e Paraná (9,0%). A passos curtos, contudo, a Bahia parece ensaiar uma recuperação: entre novembro e dezembro passados, o estado conseguiu acender a produção em 2%.
A alta veio após um recuo de 1,7% entre outubro e novembro. Ao passo em que o governador Rui Costa (PT) sinaliza que está perto de “uma solução para a questão da Ford”. Rui, que à época do encerramento, em 11 de janeiro de 2021, demonstrou-se indignado com a decisão da Ford, diz que tem “trabalhado muito” para preencher o espaço deixado pela gigante americana, após 20 anos de operação em solo baiano.
Efeito Ford
À sombra da Bahia, o município de Camaçari — que perdeu R$ 30 milhões do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e mais R$ 100 milhões de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — sente proporcionalmente os impactos do declínio. O prefeito Antônio Elinaldo (UD) aponta o desemprego, para além da arrecadação, como um dos principais problemas desencadeados.
“Porque [o desemprego] afeta o município em cadeia. O comércio, serviços, o setor educacional, com o cancelamento de matrículas”, comenta o gestor, ao estimar a circulação de R$ 20 milhões a menos, desde o fechamento da Ford. À reportagem, Elinaldo frisa o compromisso de trabalhar “diuturnamente para atrair novos investimentos e gerar emprego e renda”, a partir de estratégias como programas de investimentos, a fim de atrair empresas de segmentos diversos para a cidade.
O tempo de recuperação do setor industrial da Bahia, de forma geral, está diretamente ligado ao segmento, sinaliza o economista João Paulo Caetano. “Há a possibilidade de que uma nova empresa tenha resultados até superiores ao da Ford, se a produção atender aos bens finais, por exemplo”. Os bens finais produzidos pela indústria de transformação são materiais prontos para o consumo, e tendem a influenciar na cadeia econômica a um prazo mais curto.
“É o tipo de segmento que tem a capacidade não só de substituir, mas de superar este espaço. Ainda há uma expectativa de quando isso vai acontecer, de quando essa recuperação será observada”. A produção física da Indústria de Transformação da Bahia registrou queda de 14,3% em 2021, ocupando a última posição no ranking dos 14 estados que participam da Pesquisa Industrial Mensal (PIM). Além da Bahia, quatro estados registraram desempenho negativo: Pernambuco (-0,4%); Mato Grosso (-1,0%); Goiás (-4,9%); e Pará (-13,7%).
Impacto
Gerente executivo de Desenvolvimento Industrial da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Marcus Verhine explica que as proporções do fechamento de uma empresa do porte da Ford, produtora de bens finais, se estendem à cadeia econômica de um jeito “extremamente significativo, porque o estado é concentrado em poucos segmentos”.
Marcus lembra que, no caso da Bahia, o setor de veículos automotores corresponde a 5% do valor da transformação industrial, uma espécie de “PIB da indústria”. Por isso, a queda de 94,9% na fabricação de veículos reverbera em outros setores. O de refinos, que registrou queda de 18,1%, por sua vez, é responsável por 31% deste valor de transformação industrial. “Este também gera um impacto enorme, pelo peso que ocupa na cadeia da indústria baiana”. A metalurgia, que representa 3,8% deste PIB da indústria, completa a tríade dos setores que mais decaíram em 2021.
“Neste cálculo simples, a gente contabiliza uma redução de quase 40%”. Houve declínio – com menor potencial danoso à cadeia econômica – também na produção de bebidas (-7,7%) e alimentos (-1,7%). Verhine pontua que, até que sejam viabilizados empreendimentos que façam decolar a indústria baiana, o sistema Fieb se atém à preparação de estratégias a fim de facilitar a estruturação de um novo cenário.
Foto: Reprodução/Jornal da Metropole