Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 3 de fevereiro de 2022

Em março de 2020, ao entrar em uma concessionária em busca de um carro Gol, sem nenhum quilômetro rodado, o consumidor iria se deparar com um valor próximo a R$ 48 mil segundo a Tabela Fipe - que expressa os preços médios de veículos anunciados pelos vendedores no mercado nacional e baliza negociações.

Ao fazer essa mesma busca agora, em fevereiro de 2022, a chance de encontrar o exato carro por menos de R$ 70 mil é mínima. Em média, um Gol novo - o modelo analisado foi o Gol 1.0 Flex 12V 5P - está sendo vendido por R$ 72.026,00. A variação de mais de R$ 20 mil em um intervalo de tempo inferior a dois anos, representa um aumento de 48% no valor do carro.

A escolha por comparar a compra feita hoje com março de 2020 não foi aleatória. A pandemia produziu um efeito arrebatador no mercado de automóveis. A falta de insumos e a desvalorização do real foram os principais fatores para essa alta. E a expectativa, infelizmente, é de que o mercado ainda leve tempo para retomar os valores praticados antes da chegada da Covid-19.

Quem precisava de um carro novo, claramente, sentiu a alta. A professora Giselia Brito, 40, tinha carro próprio desde os 19 anos. Mas há cerca de três meses precisou voltar a usar o transporte público. Seu carro vinha precisando de reparos constantes e quando parou no meio do caminho para o trabalho, Giselia percebeu que não dava mais para continuar com ele. Vendeu e agora não tem previsão de quando vai adquirir um novo.

“Eu fui em várias concessionárias e os valores estavam exorbitantes”, conta.

Para quem está buscando um carro popular, a sensação para quem está em busca de um veículo recém-saído de fábrica é de que eles estão extintos. Afinal, o modelo zero quilômetros mais barato está na faixa dos R$ 48 mil e seria o Renault Kwid, também segundo a Tabela Fipe.

Novos requisitos têm feito com que muitos dos carros populares que nós conhecemos saiam de linha. O professor de Economia da Universidade Federal de Viçosa, Leonardo Chaves, explica que novas legislações surgem a todo momento e cita o exemplo da Kombi e o Uno Mille, que foram descontinuados em 2014, por não atenderem a exigência de que todos os novos carros tivessem ABS e airbags.

“Em 2023 novas alterações na legislação incluíram o controle eletrônico de estabilidade como item de série. Em resumo, parece que o carro novo básico de 2023 não vai ser tão básico assim. Ele vai ser mais seguro e poluir menos, e isso custa mais caro”, considera.

A crise dos semicondutores

O aumento no preço dos carros não é uma exclusividade do Brasil. O mercado mundial foi afetado pela diminuição na produção de matéria-prima. Com as fábricas paradas, iniciou-se a crise dos semicondutores - espécie de chip, produtor de corrente elétrica, presente nos carros.

“Esse componente teve problema na sua produção. Isso fez com que as montadoras não conseguissem produzir carros acompanhando a demanda por eles”, explica Frederico Gomes, professor de Economia e Finanças do Ibmec.

Enquanto os carros não eram produzidos, os consumidores, por outro lado, faziam filas por eles. Segundo Rafael Albuquerque, gerente de vendas da Sanave, em determinado momento da pandemia, o estoque de veículos que a concessionária tinha acabou. “Começou a ter consumidor querendo carro e não ter produto”, relembra.

Albuquerque trabalha no ramo de veículos há mais de 18 anos, cresceu com familiares nesse meio. Ele afirma nunca ter visto uma oscilação tão grande no preço de veículos desde a implantação do real, em 1994. Mas, mesmo com o preço subindo cerca de 2% a cada mês na concessionária onde trabalha, analisa o gerente, falta de compradores não chegou a ser um problema.

Para os próximos meses de 2022 a expectativa é das melhores. “As montadoras se prepararam ao longo desse ano com o plano de construírem o próprio semicondutor, as empresas estão voltando a todo vapor, com ajustes nos preços”, afirma Albuquerque, que projeta: mesmo o carro estando mais caro, ele acredita que as vendas vão subir.

No cenário de vendas de seminovos, a empolgação não é a mesma. O salto nos preços dos carros zero quilômetro fizeram com que os seminovos também se valorizassem. No entanto, as vendas não acompanham o mesmo ritmo.

“Eu já cheguei a vender 28 carros em um estoque de 20. Isso se chama de ‘virar o estoque’, você vira o estoque quando você vende num mês a mesma quantidade, ou mais, do que você tem no estoque”, conta Jaudemio Pereira, sócio da loja Car Store Multimarcas. Nos últimos meses, a média é de cerca de 13 carros vendidos a cada 20 em estoque.

Com relação à atual crise causada pela Covid-19, o preço dos automóveis ainda deve levar algum tempo para cair. A produção dos semicondutores ainda não está estabilizada e, no Brasil, a desvalorização do real frente ao dólar torna os produtos importados ainda mais caros.

Para quem quer um carro novo, a dica dos economistas é a mesma para outras grandes transações financeiras: evitar o financiamento sempre que puder. “Ainda não inventaram nenhuma forma melhor de barganhar do que pagando à vista. Então, essa é a minha sugestão para o público em geral”, diz Chaves. Porém, para boa parte dos consumidores essa não é uma opção possível. Nesses casos, Chaves pede cautela com a análise das taxas de juros para que não se endividem mais do que pretendiam.

Confira abaixo a lista dos 10 carros novos mais baratos do mercado, de acordo com a Tabela Fipe: