As chuvas que já afetaram cerca de 300 mil pessoas e causaram a morte de 14 em diversas cidades do estado poderiam ter os efeitos minimizados. Isso se muitas cidades tivessem um Plano Diretor. O programa nada mais é do que a organização do território da cidade.

 

Uma espécie de mapa com indicações sobre onde deve ser área residencial e onde não se deve construir casas, área para hospital, local para mercados, zona para indústrias, praças, jardins, espaço para lazer etc. Pela Constituição Federal, o plano diretor é obrigatório para cidades com população acima de 20 mil habitantes.

 

Com o estatuto da cidade, sancionado em 2001, foram inseridos nessa obrigatoriedade os municípios em áreas de deslizamentos de grande impacto, de inundações bruscas ou de risco a outros fenômenos da natureza. Município mais atingido pelas chuvas no estado até esta terça-feira (21), Itamaraju, no Extremo Sul do estado, tem 64,4 mil moradores.

 

Ao Bahia Notícias, o prefeito Marcelo Angênica (PSDB) disse que até o final do ano que vem a prefeitura deve atualizar o Plano Diretor. A cada dez anos, cidades onde seja obrigatório o plano diretor devem fazer a atualização deles. O prefeito de Itamaraju declarou ter dificuldade para gerir a ocupação do solo do município.

 

“Na verdade é muito difícil controlar isso porque a população vai crescendo e vai construindo em morros e locais de risco. Mas a gente controla essa expansão, como tem controlado nas áreas de risco, embargando obra se for necessário”, disse.

 

Segundo o gestor, uma das iniciativas que colaborou para organizar o espaço, liberando as áreas de risco, veio com a construção de prédios via programa Minha Casa Minha Vida, extinto pelo atual governo e rebatizado com o nome de Casa Verde e Amarela. Em 2021, o governo federal zerou verbas para o programa.

 

Doutoranda em Sociedade, Economia, Estado e Ambiente pela Universidade de São Paulo (USP), Vinnie Ramos participou das ações de reconstrução de Lajedinho, no Piemonte do Paraguaçu, em 2017, quando um aguaceiro castigou a cidade.

 

Quatro anos antes, o transbordamento do Rio Saracura causou uma tragédia. Dezessete pessoas morreram e centenas ficaram desabrigadas, em um rastro de destruição de casas e prédios públicos na cidade de menos de e quatro mil habitantes [IBGE 2021].

 

“Podemos perceber o quanto que o plano diretor é um instrumento de planejamento essencial para os municípios que tenham alguma vulnerabilidade, quanto ao efeito de chuvas e de outras questões que possam surgir”, explica. Ramos acrescenta que o plano diretor não dá conta apenas da sede da cidade, mas também da organização da zona rural.

 

Imagens impactantes deste período de chuvas na Bahia mostraram o transbordamento do Rio Pardo em Canavieiras e a inundação do povoado de Nova Alegria, em Itamaraju, áreas rurais. A Bahia tem 171 cidades com população igual ou acima de 20 mil habitantes, menos da metade das 417 do estado.

 

Segundo o professor de direito municipal e gestão urbana, Isaac Newton Carneiro, não há uma cultura de planejamento no país, o que poderia estimular o interesse pelo assunto. Newton aponta dois fatores que empacam o desenvolvimento municipal.

 

“Tem dois motivos. Primeiro, nós não temos costume de planejar, e isso é independente do tamanho da cidade. Segundo, o plano diretor deve ser pensado para mais que os quatro anos do mandato do prefeito. E outra coisa, a população não se sente dona da cidade. Ela precisa ser empoderada para se interessar pela discussão e pela implantação do plano diretor”, discorre o docente.

 

Isaac Newton Carneiro lembra que duas cidades do estado chegaram a ser planejadas, mas depois tomou contornos diferentes, caso de Feira de Santana e Camaçari, respectivamente. “Feira de Santana se planejou, mas depois se desorganizou demais. Já Camaçari conseguiu suportar o crescimento da cidade, vide o que ocorreu com a chegada da Ford [no Polo Industrial]”, conta o professor.

 

Assim como Carneiro, Vinni Ramos considera que a criação do plano diretor deve ser estimulada pelo município e envolver a população.

 

“É preciso uma dedicação muito grande principalmente da administração pública em fazer com que a população se aproprie desse instrumento como algo que vai contribuir para sua vida em vários aspectos. O plano diretor não mexe apenas em uma dimensão da nossa vida, não apenas na saúde, não penas na mobilidade, não apenas no saneamento e resíduos sólidos, na economia, é um instrumento de planejamento complexo”, diz Vinni Ramos.

 

Em julho, uma reportagem do Bahia Notícias mostrou a situação das dez mais populosas cidades do estado. Mais da metade delas estavam com o plano diretor e ou a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Louos) desatualizados (ver aqui).