Em meio à escalada da crise com o Ocidente devido à situação na Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, acelerou seu programa de testes de um míssil hipersônico de cruzeiro para uso naval.
Nesta quinta (16), o Ministério da Defesa anunciou ter feito mais um lançamento bem-sucedido do 3M22 Tsirkon (zircão, em russo). É o quarto teste do modelo desde outubro --até então, haviam ocorrido cinco lançamentos na fragata Almirante Gorchkov no mar Branco.
Segundo a agência Tass, a produção em série do míssil está em fase de contrato. Isso explica a aceleração no ritmo dos testes, mas a divulgação ocorre no contexto do agravamento das tensões com os Estados Unidos e a Otan (aliança militar ocidental).
Também nesta quinta, o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, afirmou que as demandas de Putin apresentadas aos EUA na crise são inaceitáveis. O russo quer garantias por escrito de que o clube não irá expandir-se a leste, retirando os convites feitos em 2008 à Ucrânia e à Geórgia.
Isso é inaceitável na Rússia, que vê os antigos pedaços da União Soviética (1922-91) como áreas que, se não são aliadas como a ditadura da Belarus, não podem ser incorporadas à estrutura militar ocidental e trazer tropas e mísseis às fronteiras russas.
No caso georgiano, o Kremlin travou uma guerra rápida em 2008 e garantiu a autonomia de duas áreas de maioria étnica russa no país, travando seu processo de adesão à Otan.
Seis anos depois, foi a vez da Ucrânia, onde um golpe derrubou o governo pró-Putin e a resposta foi a anexação da Crimeia, um fato consumado político, e a guerra civil que gerou a virtual independência de áreas separatistas pró-Rússia no leste do país.
Visando uma demonstração de força na hora de negociar uma acomodação, Putin deslocou cerca de 100 mil homens e equipamentos como blindados, tanques e sistemas antiaéreos, para áreas relativamente próximas da Ucrânia.
Para o Ocidente, há o risco real de invasão, o que o Kremlin nega. Seja como for, os ânimos seguem exaltados e nesta quinta o Kremlin afirmou que Putin está aberto para uma nova conversa virtual com Joe Biden, o presidente americano que já havia rechaçado as demandas russas numa videoconferência na semana passada.
Além das ameaças de sanções ocidentais, Putin tem novos problemas. O Kremlin teve de negar, nesta quinta, um relato comprometedor acerca de sua presença em território ucraniano.
Tudo começa com um caso simples de corrupção, no qual um funcionário de uma empresa que fornece alimentos e produtos para as Forças Armadas foi condenado por cobrar propina. Só que, em seu testemunho à corte de Rostov (perto da Ucrânia), ele disse que parte do material entregue foi para tropas russas nas áreas rebeldes.
Isso é um segredo de polichinelo. O próprio chanceler Serguei Lavrov já disse, num seminário em Moscou, que havia ocorrido uma intervenção russa na região. Mas o Kremlin sempre negou ter forças estacionadas lá.
É neste clima que os testes hipersônicos continuam. As armas são consideradas parte do arsenal do futuro, e o recente lançamento de um modelo avançado atribuído à China gerou alarme nos EUA --que têm programas ainda não muito avançados na área.
Os chineses são aliados dos russos na atual crise, com o líder Xi Jinping exortando Putin à defesa comum de ambos os países contra o Ocidente.
Observando o cenário europeu, a introdução mesmo que limitada de um míssil naval desses no mar Negro, que banha a área contestada da Crimeia, além de Rússia, Ucrânia e outros países, traria problema para a Otan. Nesta quinta, aliás, os russos fizeram exercícios de ataques a navios na região.
No teste desta quinta, o Tsirkon atingiu um alvo a cerca de 400 km do ponto de lançamento, no campo de testes de Chija (região de Arkhangelsk, no Ártico). O Tsirkon pode atingir até nove vezes a velocidade do som (11 mil km/h) em trajetória manobrável, facilitando a evasão de defesas.
Ele é uma das "armas invencíveis" que Putin anunciou em 2018 para dizer que estava à frente do Ocidente no campo da tecnologia hipersônica. Diferentemente de dois outros modelos hipersônicos já em uso limitado, o Kinjal e o Avangard, ele não emprega ogivas nucleares.
Sua função primária, desde a fase de desenho e teste inicial em 2012, é servir de arma antinavio. Ele vai até 28 km de altitude com um propelente sólido, e aí aciona um motor com combustível líquido de alta performance chamado scramjet.