Foto: Montagem / Bahia Notícias
Em um cenário educacional em que menos da metade das crianças baianas em idade apta está alfabetizada, os dados do Indicador da Criança Alfabetizada, divulgado pelo Instituto Nacional Anísio Teixeira (Inep), na última sexta-feira, 11 de julho, dão indicativos sobre o rendimento dos municípios. A pesquisa do Ministério da Educação (MEC) indica que, em 2024, 84% dos municípios baianos avaliados (352 das 398 cidades) possuem menos da metade das crianças, no segundo ano, alfabetizadas. Isso significa que, de fato, 8 em cada 10 municípios da Bahia enfrentam esse grave desafio na alfabetização infantil.
Apesar de o Brasil ter alcançado em média 59,2% de crianças alfabetizadas na idade certa nas redes públicas em 2024 — um avanço de 3,2 pontos percentuais em relação a 2023 (56%) —, a realidade baiana foi no sentido oposto. Os registros dos municípios resultam em um índice estadual de apenas 36% das crianças baianas no segundo ano do ensino fundamental alfabetizadas. A avaliação baixíssima colocou o estado na lanterna da média nacional nesse quesito.
O Brasil não atingiu a meta esperada, que era de 60% para o ano de 2024, com compromisso de atingir 80% até 2030. O índice é parte do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (CNCA), que tem o objetivo de atingir a meta de alfabetização de 80% das crianças daqui a 5 anos.
O levantamento do Inep, no entanto, não avaliou dados dos 5.570 municípios brasileiros. Conforme os registros aos quais o Bahia Notícias teve acesso, 216 cidades do país ficaram de fora do levantamento, entre elas 19 municípios baianos. Segundo a observação do Inep, “municípios sem resultados são os que não participaram da avaliação ou que tiveram percentual de participação abaixo de 70%”.
No caso da Bahia, são eles: Buritirama, Cabaceiras do Paraguaçu, Condeúba, Firmino Alves, Ichu, Iramaia, Irará, Itanagra, Itanhém, Jiquiriçá, Jucuruçu, Lagoa Real, Maraú, Nazaré, Piraí do Norte, Presidente Tancredo Neves, Riachão das Neves, Sítio do Mato e Pé de Serra.
Na Bahia, somente 11 municípios avaliados ficaram acima da média nacional. Ou seja, atingiram níveis em que 59,2% dos estudantes foram mais bem classificados. Entre aqueles que conseguiram atingir melhores condições que o ano anterior (2023) somente 73 bateram a meta esperada para o ano de 2024, que era de 43,4% para todo o estado, conforme diretrizes do MEC. Outros 331 municípios ficaram abaixo da média esperada para Bahia; e 23 não possuem dados detalhados sobre o índice de 2023, metas municipais e/ou o próprio dado de 2024.
O PANORAMA BAIANO
Fica claro pelos números que cada estado brasileiro enfrenta seus próprios e sérios desafios. A Bahia, ao que tudo indica, demonstra agravantes entre os municípios.
Veja o Mapa e encontre por município:
Entre os municípios com os piores resultados na alfabetização estão: Macururé com somente (12,5%) Arataca (13,11%), Pedrão (13,33%), Itaju do Colônia (15,25%), Ibiquera e Rio do Pires empatados com 15,62% dos alunos bem avaliados.
O município de Macururé teve o pior resultado do estado: a unidade possui apenas 7.256 habitantes, com 12 escolas de ensino fundamental e cerca de 1.004 matrículas ativas em 2024, conforme o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 e atualização de 2024.
O Bahia Notícias entrevistou Marcos Alves, secretário de Educação de Macururé, município localizado no norte da Bahia.
Alves destacou os esforços para aprimorar a qualidade do ensino, apesar dos desafios históricos. "Em Macururé, a situação é diferente. Nos últimos anos, temos realizado diversas ações no sentido da melhoria da qualidade do ensino. Infelizmente, ainda sofremos com a má qualidade. Entendemos que são questões que são históricas no nosso município", justificou.
O secretário também mencionou que, embora o último índice de alfabetização não seja o ideal, houve uma melhora de 2023 para 2024. Ele ressaltou as particularidades educacionais de Macururé, revelando que, ao assumir a pasta em 2021, o município "era o único na Bahia sem um plano de carreira para o magistério".
Em nota, a gestão afirma que "foi necessário elaborar um Plano Emergencial, que resultou em dois anos letivos concluídos em um único período, gerando impactos na aprendizagem. [...] Lamentamos profundamente que o nível de Alfabetização ainda esteja aquém do que almejamos para nossas crianças. Enfrentamos dificuldades na execução do Programa entre 2023 e 2024, chegando inclusive a avaliar a retirada do município da iniciativa. Contudo, reafirmamos nosso compromisso com os professores".
Entre os mais bem avaliados, o resultado impressiona. É o caso de Quixabeira, no centro norte baiano, que conseguiu atingir 75,47% dos alunos aprovados. O que parece um valor pequeno, representa a meta projetada para o mesmo município para 2029 - ou seja, os números do indicador na cidade atingiram um resultado melhor que o esperado.
Quixabeira possui 9.461 cidadãos, conforme o Censo de 2022, e um total de 15 escolas de ensino fundamental com 1.140 alunos matriculados em 2024. Segundo o próprio IBGE, a taxa de escolarização entre crianças de 6 a 14 anos é de 100%, ou seja, todas as crianças em idade escolar frequentam uma instituição de ensino.
Ao Bahia Notícias, a secretária de Educação de Quixabeira, Denise Lima, explica como conseguiu alcançar números expressivos nos dados anuais. Esse sucesso deve-se a uma coordenação que verifica a formação dos educadores e analisa a formação continuada em cronogramas com os estudantes.
“Nós investimos na formação continuada para os professores e aumentamos o tempo de aulas também. Temos uma equipe que se dedica a monitorar os problemas de cada uma das escolas. Checamos continuamente o que cada aluno precisa e priorizamos turmas de 18 a 20 alunos. Sempre orientados pela formação continuada, onde o professor compartilha com nossa equipe de coordenação as demandas de suas turmas e buscamos oferecer suporte contínuo", explica a secretária.
Em entrevista, a secretária relata que a especialização dos professores no município seria muito difícil sem o apoio do Executivo, em sua dinâmica com a Câmara Municipal de Vereadores. Ela lembra que a qualificação dos docentes no interior se difere de grandes centros urbanos.
"Assim, podemos focar com cuidado e atenção em cada escola. Agora, nossa meta é tentar manter e melhorar esses números. Tivemos bastante apoio da gestão atual, por exemplo, mandamos em 2023 um projeto à Câmara de Vereadores que garantia a especialização paga dos professores, onde um pedagogo deveria ser especializado. Agora queremos garantir mestrado para o futuro”, detalha a professora.
Além de Quixabeira, a cidade de Novo Horizonte, no sudoeste baiano, também foi bem classificada, com 73,17%, e Malhada de Pedras, na mesma região do interior do estado, com 70,27%. Em medida comparativa com Quixabeira, esses dois municípios atingiram a meta projetada para eles no ano de 2027 para Novo Horizonte, enquanto Malhada de Pedras obteve resultados positivos esperados.
O desempenho de outros municípios também chama a atenção, seja pela robustez da estrutura política ou pela queda brusca nos números, como em Salvador e Dom Macedo Costa, respectivamente.
Em Dom Macedo Costa, os números da taxa de alfabetização caíram 33,6% entre 2023 e 2024. Acontece que no primeiro registro do Indicador Criança Alfabetizada, o município chegou a superar a meta nacional de 2030, de 80% das crianças alfabetizadas em idade apta, com uma métrica de 85,9%. No entanto, no ano seguinte, Dom Macedo Costa registrou uma taxa de alfabetização de 52,3%.
O BN entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação do município, para compreender as motivações e o cenário que gerou a queda no índice educacional, mas não obteve resposta até o momento desta publicação. Entre os 4.407 habitantes de Dom Macedo Costa, 528 crianças estão matriculadas no ensino fundamental. Atualmente, existem 4 unidades de ensino fundamental no município.
E SALVADOR?
Já no caso da capital baiana, a taxa de alfabetização de crianças no 2° ano do ensino fundamental era de 39,2% em 2023, número já abaixo da meta anual para o município, definida pelo MEC, que era de 45,5%. Na medição seguinte, Salvador ainda registra uma queda: o índice de alfabetização municipal foi de 36,7%, conforme o Indicador da Criança Alfabetizada.
O Bahia Notícias entrou em contato com a Secretária Municipal de Educação (Smed) para obter informações sobre o planejamento anual de educação no município e o atraso da capital frente a outros municípios. Em nota, a organização aponta que a educação soteropolitana ainda se recupera dos impactos causados pela pandemia.
“A Prefeitura de Salvador informa que a educação municipal vem recebendo investimentos históricos nos últimos anos para recuperar o déficit de aprendizado provocado pela pandemia. Em 2024, por exemplo, a rede municipal de ensino teve o maior orçamento da sua história, com um volume de recursos de R$ 2,8 bilhões”, diz o texto. Dentro do volume de recursos citado, a Secretaria cita a construção de novas unidades escolares, centro de formação e apoio a docentes e parcerias com escolas comunitárias.
A Smed questionou ainda os métodos de avaliação do Indicador nacional. Segundo a Secretaria, “o MEC consolidou em um único indicador nacional dados oriundos de avaliações estaduais com matrizes, metodologias e cronogramas distintos, conduzidas por instituições diferentes”.
A gestão municipal explica que em outros estados a avaliação do Inep foi conduzida pela CAEd (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação), enquanto na Bahia, a empresa contratada foi a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em que, segundo eles, os “processos foram marcados por atrasos no cronograma, sucessivas remarcações e diversas intercorrências durante a aplicação”. (Confira a nota completa da Secretária Municipal de Educação de Salvador ao final da reportagem.)
É válido ressaltar que o mesmo processo foi utilizado em toda a Bahia e Salvador constou na 182ª posição do ranking estadual. Segundo dados do IBGE, a capital baiana possui cerca de 255.470 alunos matriculados no ensino fundamental, divididos entre 1.159 unidades escolares. A taxa de escolarização entre as crianças entre 6 e 14 anos é 97,47% no município.
Todas as prefeituras e gestões municipais citadas nessa reportagem foram contatadas pela equipe de redação de Bahia Notícias, e as que responderam nossa equipe tiveram espaço aberto, mas, até o momento, não houve respostas de todas as gestões.
COMO É FEITA A AVALIAÇÃO?
A avaliação do nível de alfabetização de crianças do segundo ano do ensino fundamental nas escolas e redes municipais do país foi realizada em mais de 42 mil escolas durante o ano de 2024.
A prova é estruturada para traçar um perfil do estudante, com base na pesquisa "Alfabetiza Brasil", desenvolvida com a colaboração de professores alfabetizadores e especialistas. As habilidades avaliadas incluem:
- Ler palavras, frases e textos curtos.
- Localizar informações explícitas em textos curtos (até seis linhas), como em bilhetes, crônicas e fragmentos de contos infantis.
- Inferir informações em textos que articulam linguagem verbal e não verbal, como em tirinhas e cartazes.
- Escrever ortograficamente palavras com regularidades diretas entre fonemas e letras.
- Escrever textos que circulam na vida cotidiana, mesmo que apresentem desvios ortográficos ou de segmentação.
Este é um parâmetro fundamental para o desenvolvimento educacional, e a Bahia, infelizmente, ainda demonstra um progresso tardio, com números considerados baixos.
É importante ressaltar que o teste é amplamente aplicado nas escolas da rede municipal, sendo a responsabilidade principal pelo desempenho dessas avaliações dos gestores municipais – ou seja, dos prefeitos e suas equipes eleitas em secretarias municipais. Isso coloca a educação infantil como uma prioridade direta da gestão local.
Confira a nota da Secretária Municipal de Educação de Salvador (Smed):
“A Prefeitura de Salvador informa que a educação municipal vem recebendo investimentos históricos nos últimos anos para recuperar o déficit de aprendizado provocado pela pandemia. Em 2024, por exemplo, a rede municipal de ensino teve o maior orçamento da sua história, com um volume de recursos de R$2,8 bilhões.
Entre os avanços, Salvador conta com dezenas de novas escolas construídas em alto padrão, e foram criados o Centro de Formação Emília Ferreiro, com cursos gratuitos de formação continuada para toda a rede, e o Centro de Acolhimento ao Educador Tereza Cristina Santos, com 50 psicólogos para cuidar da saúde mental dos professores e de outros profissionais do ensino.
A Prefeitura também criou o Programa Dinheiro Direto na Escola Soteropolitana (PDDES), que liberou R$15 milhões diretamente para as mais de 400 unidades da rede municipal de educação, e ampliou a parceria com as escolas comunitárias, que agora recebem uma 13° parcela de repasse do município.
Em relação aos resultados recentemente divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), referentes ao Indicador Criança Alfabetizada, os dados revelaram-se marcados por falta de transparência nos dados, inconsistências metodológicas e formas de aplicação distintas entre os estados. Os resultados deveriam representar um dos avanços mais relevantes na agenda de evidências para a educação — por meio da implantação de uma avaliação nacional censitária da aprendizagem dos estudantes do ciclo de alfabetização.
Grande parte das redes estaduais contratou o CAEd (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação) para a realização das avaliações que compuseram o indicador. No entanto, algumas redes, como o Estado da Bahia, optaram por contratar a Fundação Getúlio Vargas (FGV), cujos processos foram marcados por atrasos no cronograma, sucessivas remarcações e diversas intercorrências durante a aplicação.
É importante destacar que a Rede Municipal de Salvador possui uma avaliação autônoma, o Programa Salvador Avalia (Prosa), implantado há mais de 10 anos, conduzido pelo CAEd e utilizando a mesma matriz de referência da avaliação estadual. Essa avaliação municipal apontou que 59% dos alunos da rede estão em níveis adequados de alfabetização. Do mesmo modo, os resultados da Avaliação de Fluência Leitora do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (CNCA/MEC) reforçam o desempenho positivo da capital baiana, indicando que 56,2% dos estudantes de Salvador encontram-se com fluência leitora no nível esperado para a etapa de escolarização.
O mesmo ocorreu em 2023, quando o CAEd foi contratado para a realização tanto do Prosa, em Salvador, quanto pela avaliação do Sistema de Avaliação Baiano da Educação, do Estado. Os resultados foram de 49% em ambas as avaliações.
Nesse contexto, o MEC consolidou em um único indicador nacional dados oriundos de avaliações estaduais com matrizes, metodologias e cronogramas distintos, conduzidas por instituições diferentes. Essa decisão desconsidera que instrumentos avaliativos distintos produzem resultados distintos, tornando inadequada qualquer tentativa de comparabilidade direta entre as redes. Ao tratar como equivalentes dados que não são homogêneos em sua origem e aplicação, compromete-se a confiabilidade dos resultados apresentados e a credibilidade de uma política pública que deveria se pautar por evidências consistentes e critérios técnicos uniformes”.
Veja a nota completa da prefeitura de Macururé na íntegra:
"A Prefeitura de Macururé-Bahia reconhece os grandes desafios educacionais que, historicamente, afetam nosso município. Ao assumirmos a gestão em 2021, encontramos a Rede Municipal de Educação completamente paralisada devido à Pandemia de COVID-19, sem qualquer atividade pedagógica implementada até então. Foi necessário elaborar um Plano Emergencial e realizar dois anos letivos em um único período. Essa medida, indispensável, naturalmente trouxe impactos significativos para a aprendizagem dos estudantes.
Além disso, Macururé enfrentava problemas estruturais graves: até então, éramos o único município da Bahia sem Plano de Carreira do Magistério. Essa situação gerava grandes desigualdades salariais – inclusive com muitos professores recebendo cerca de R$ 950,00 por mês. Somente em 2024, conseguimos aprovar e implantar o plano supracitado, garantindo, hoje, uma remuneração bruta superior a R$ 4 mil aos docentes, um passo fundamental para valorizar a categoria e qualificar a educação oferecida.
Cabe destacar também que Macururé está entre os municípios mais pobres da Bahia, o que torna o investimento de recursos próprios em Educação um grande desafio. Até recentemente, não contávamos sequer com uma creche digna na sede do município. Construímos um novo prédio e seguimos lutando junto ao FNDE para repactuar e concluir a obra de uma creche padrão FNDE, iniciada em 2016 e paralisada por problemas técnicos.
Quanto ao resultado do Indicador Criança Alfabetizada, lamentamos profundamente que o nível de alfabetização ainda esteja aquém do que almejamos para nossas crianças. Enfrentamos dificuldades na execução do Programa entre 2023 e 2024, chegando inclusive a avaliar a retirada do município da iniciativa.
Contudo, reafirmamos nosso compromisso, promovemos mudanças na coordenação e intensificamos os investimentos na Formação Continuada dos Professores. Recentemente, concluímos um ciclo formativo específico para alfabetização. É importante ressaltar, ainda, que o município vem registrando avanços no IDEB dos anos finais, tendo alcançado nota 4,5 no último resultado.
Temos plena consciência de que ainda há muito a ser feito e reiteramos a importância do apoio cada vez mais consistente dos Governos Federal e Estadual para superar os desafios históricos da Educação em Macururé. Seguiremos firmes nesse compromisso, confiantes de que, nos próximos ciclos, poderemos celebrar conquistas significativas", finaliza a gestão.