Foto: Ricardo Stuckert / PR
Líderes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
acusam a gestão do ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agráriode inflar
estatísticas de novos assentamentos e afirmam que os dados divulgados pelo
governo Lula (PTnão refletem a realidade vivida pelos camponeses.
Segundo eles, o governo tem anunciado como terras entregues
áreas que ainda não foram reconhecidas como desapropriadas pela Justiça. Dessa
forma, eles dizem que os anúncios têm servido apenas para os propósitos de
divulgação do ministério, sem impacto real nas vidas dos acampados.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário rejeita a acusação,
afirma que tem trabalhado com transparência inédita e que divulga como
entregues as áreas em relação às quais já houve análise técnica e empenho de
recursos para desapropriação. Além disso, atribui dificuldades nos últimos anos
a problemas herdados da administração de Jair Bolsonaro (PL).
Como mostrou a Folha, a cúpula do MST decidiu romper o
diálogo com o ministro Teixeira e pede sua substituição. O movimento discute
intensificar ações para criticar a administração petista.
O caso tomado como exemplar da alegada ineficiência de
Teixeira pelo MST é o do Acampamento Quilombo Campo Grande, onde vivem famílias
do movimento desde o final da década de 1990, no município de Campo do Meio
(335 km de Belo Horizonte), no sul de Minas Gerais.
Em 7 de março, Lula foi ao local para fazer sua primeira
visita a um assentamento do MST no terceiro mandato e assinou os decretos para
desapropriação. O evento foi considerado promissor para o realinhamento entre o
presidente e os sem-terra.
No entanto, o MST hoje afirma que o anúncio de Lula não teve
efeito prático algum desde então e que o processo de desapropriação segue
congelado. Sem que o processo avance, os assentados não conseguem ter acesso a
programas de crédito para financiamento da produção, entre outras limitações.
"O processo ficou parado após aquela demonstração toda
de compromisso do presidente. Não se moveu mais nenhum centímetro no sentido de
garantir o direito das famílias", afirma Silvio Netto, membro da
coordenação nacional do MST. "Se o presidente tivesse conhecimento dessa
incompetência, o Paulo Teixeira já teria sido demitido."
O primeiro passo que o ministério deveria ter dado após a
assinatura dos decretos por Lula, diz Netto, seria apresentar uma ação para que
a Justiça referendasse a desapropriação, o que não foi feito até o momento. Na
avaliação do MST, trata-se de uma prova da morosidade da pasta.
Os três lotes de Campo do Meio aparecem em lista de novas
terras entregues que é divulgada pelo MDA, para insatisfação dos sem-terra, que
afirmam que a situação das cerca de 2.000 pessoas que nela vivem segue
idêntica.
Em 2025, a meta da pasta é de 30 mil novos assentamentos, dos
quais 15 mil já foram entregues, segundo Teixeira. Até o fim de 2026, o
objetivo é entregar 60 mil.
O ministério diz que a Procuradoria do Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agráriaestá elaborando a ação sobre Campo
do Meio para apresentar à Justiça e que o rito está sendo cumprido com rapidez
se comparado ao tempo médio. O prazo legal para ingressar com a ação judicial a
partir do decreto de desapropriação é de até dois anos.
Maíra Coaraci, diretora de obtenção de terras do Incra,
afirma que a aprovação atrasada do Orçamento em 10 de abril impactou na
evolução do processo, mas que desde então os recursos já foram empenhados e a
ação deve ser apresentada à Justiça em breve. Por isso, afirma, o caso já é
considerado resolvido. Ela avalia que até o fim do ano os sem-terra já
perceberão vantagens concretas da desapropriação.
Ela afirma que o critério para elaboração da lista de novas
terras entregues, contestada pelo MST, é a conclusão do processo administrativo
de obtenção, com análises técnicas prontas e recursos empenhados. Nesses casos,
o que falta geralmente é a certidão de cartório e/ou a decisão da Justiça sobre
a homologação da desapropriação.
"O que posso dizer é que os 12.297 lotes [considerados
entregues até abril] são áreas já obtidas pelo Incra. Agora a gente está na
finalização dos trâmites de cartório, de empenho, de edital de seleção",
diz Maíra.
Sobre a possibilidade de que a Justiça venha a rejeitar a
desapropriação de uma área depois de ela ter sido anunciada como entregue pelo
governo, ela afirma que "esse risco existe em qualquer momento e
fase" e que até mesmo assentamentos com décadas de existência sofrem
reveses judiciais.
"A gente não pode não contabilizar números e demonstrar
o andamento dos processos por causa desse risco, senão nada vai sair",
afirma.
A desestruturação das políticas da reforma agrária na gestão
Bolsonaro é apontada com frequência pelo ministério e por Lula como motivo das
dificuldades para apresentar resultados melhores.
No primeiro ano de mandato, o MST, que fez campanha pela
reeleição de Lula em 2022, reconheceu os obstáculos e se conteve nas críticas.
Recentemente, no entanto, passou a cobrar de modo mais incisivo.
Jaime Amorim, membro da direção nacional do MST, disse à
Folha que a pasta de Teixeira falsifica números, "criando uma lógica que
qualquer um que conhece um pouco da nossa área sabe que não condiz com a
realidade".
Silvio Netto, por sua vez, afirma que "não há setor do
governo que tem o direito de reclamar sobre qualquer mobilização que venha a
acontecer". Ele diz que a pasta de Teixeira dá "desculpas
esfarrapadas" e "a consequência disso é que o MST vai perdendo a
paciência. E quando a gente perde a paciência se intensificam as mobilizações
sociais".
Os sem-terra já levaram diretamente a Lula a insatisfação com
Teixeira. Em evento no final de maio, o presidente tratou do tema.
"É isso que quero que a gente faça no MDA, Paulinho. Em
vez de ter alguém para dizer 'não', ter alguém para dizer 'vou encontrar
solução'. Se for fácil, eu faço. Se for difícil, eu faço. Se não puder fazer,
eu peço desculpas a você, porque as pessoas passam a respeitar mais as coisas
que acontecem na nossa relação", disse.
Por Bahia Notícias