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A
possibilidade de o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) assumir a
Secretaria-Geral da Presidência acendeu um alerta para parte de seus
companheiros de partido e, caso se concretize, pode intensificar os conflitos
internos da sigla.
O PSOL
abriga divergências sobre a adesão a funções no Executivo. Parte da legenda
defende mais independência, enquanto outros veem a participação como natural.
"É
claramente contraditório. A decisão do PSOL foi clara de não compor governo, e
isso está bem redigido na resolução aprovada em dezembro de 2022", afirma
a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Apesar da
orientação, parte dos psolistas não se opõe à nomeação, caso da deputada
Talíria Petrone (PSOL-RJ), que diz ser natural que o partido conquiste espaço,
já que se tornou uma das siglas mais relevantes na esquerda. "Essa
discussão acontece desde o início do governo. Estou mais preocupada com o que
vai ser do Brasil", afirma.
A sigla vive
um clima de racha marcado pela demissão de um assessor do partido na Câmara dos
Deputados e por embates públicos entre suas lideranças, resultado de disputas
envolvendo o apoio ao governo.
Parte dos
deputados se incomoda, por exemplo, com a falta de posicionamentos públicos de
colegas que votam contra medidas de austeridade, mas não entram em confronto
com o governo. Congressistas ouvidos pela Folha afirmam haver preocupação em
desagradar o Planalto.
O embate
ganhou destaque no mês passado após o economista David Deccache dizer que foi
demitido da liderança do PSOL na Câmara por motivos políticos. Crítico da
agenda econômica do governo, ele manifestava descontentamento nas redes
sociais.
Deccache é
de uma ala minoritária do partido que engloba correntes mais radicais. A
principal delas é o MES (Movimento Esquerda Socialista), que participou da
fundação do PSOL e prega a independência em relação ao Planalto.
Deputados
desse bloco ou que se alinharam a ele votaram contra a demissão do economista
no início de fevereiro: Fernanda Melchionna (RS), Glauber Braga (RJ), Sâmia
Bomfim (SP), Luiza Erundina (SP) e Chico Alencar (RJ).
Desses,
Fernanda Melchionna, Glauber Braga e Sâmia são considerados da ala minoritária,
enquanto os decanos Erundina e Chico Alencar são considerados pelos colegas
como independentes.
Entre os que
votaram a favor da demissão estavam Guilherme Boulos (SP), Célia Xakriabá (MG),
Erika Hilton (SP), Ivan Valente (SP), Pastor Henrique Vieira, (RJ), Luciene
Cavalcante (SP), Talíria Petrone (RJ) e Tarcísio Motta (RJ). Todos considerados
integrantes do bloco majoritário.
Esse grupo
negou, em nota, que o desligamento do economista tenha ocorrido por
divergências políticas, acusando-o de fazer ataques públicos a congressistas do
partido e à presidente da legenda, Paula Coradi --o que ele nega.
Indagada, a
direção do partido afirmou que a liderança da bancada na Câmara tem autonomia
para definir seus assessores e que não cabe a ela interferir em decisões de
contratações ou desligamentos de pessoal, que ela define como atos meramente
burocráticos.
A crise
interna remonta ao congresso nacional do PSOL em 2023, quando o grupo formado
pelas correntes Revolução Solidária (liderada por Boulos), Primavera Socialista
(do ex-presidente Juliano Medeiros) e aliados derrotaram o MES (da deputada
estadual gaúcha Luciana Genro).
A atual
presidente Paula Coradi, vinculada ao mesmo grupo de Juliano Medeiros, foi
eleita na ocasião com um projeto de aproximação do governo Lula.
A minoria
acusa o outro lado de autoritarismo. Diz que correligionários se opõem a ceder
espaços de poder proporcionais ao tamanho da ala e reclama da falta de diálogo
e transparência.
"A
militância não decide nada. Não há democracia interna na organização deles. E
eles querem fazer a mesma coisa com o PSOL, [impor] uma organização de cima
para baixo, em que a liderança manda e a militância obedece, como se gado
fosse", afirma Deccache.
"Esse
episódio [de demissão] não é isolado. Reflete a política do setor majoritário
do partido, dirigido por Guilherme Boulos, que combina adesão ao governismo com
autoritarismo", diz editorial da Revista Movimento, vinculada ao grupo do
MES.
A tese dos
deputados da maioria é que a polêmica foi fabricada, trazendo a público um
debate que deveria ser interno.
"É um
erro grave que parte da esquerda não compreenda os riscos do avanço da
extrema-direita aqui e no mundo e tenha seu horizonte limitado a disputas
internas", diz o grupo de Boulos, em nota.
A assessoria
de Boulos disse que o deputado não comentaria o assunto e enviou a nota
assinada pela maioria.
Deputados da
ala minoritária que conversaram com a reportagem negaram a possibilidade de
deixar o partido neste momento. A exceção é Glauber Rocha, que afirmou ter
aberto uma discussão com a própria equipe para decidir se faz sentido
continuar.
A divisão
interna no PSOL é tida por alguns como um fator capaz de abalar a unidade do
partido, que também nasceu de uma cisão por divergências com o governo Lula.
Na primeira
gestão petista (2003-2006), havia um embate entre setores do PT mais alinhados
ao Planalto e alas mais críticas, principalmente à condução da política
econômica. No último grupo, estavam os então parlamentares Babá, Heloísa
Helena, João Fontes e Luciana Genro.
Considerados
radicais, os congressistas foram expulsos do partido por votar contra a
proposta do governo de reforma da Previdência, em 2003. Em resposta, esses
dissidentes, junto a outros militantes de esquerda insatisfeitos com os rumos
do PT, fundaram o PSOL em 2004.