
Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil
O patamar elevado dos preços dos alimentos ofusca o impacto
do aumento da renda e, assim, trava uma recuperação mais consistente do poder
de compra dos brasileiros.
É o que indica um levantamento do economista Bruno Imaizumi,
da consultoria LCA, que cruza o custo da cesta básica com a evolução do salário
mínimo e do rendimento médio do trabalho.
A inflação da comida virou dor de cabeça para o governo Lula
(PT) devido ao potencial dano à popularidade do presidente, que estuda medidas
para reduzir os preços.
Analistas, contudo, veem pouco espaço para ações eficazes, já
que a carestia recente está associada a fatores como problemas climáticos, além
do dólar alto em meio a incertezas fiscais.
O estudo aponta que um salário mínimo conseguia comprar 2,07
cestas básicas em São Paulo na média de 2010 a 2019, antes da pandemia, que
pressionou o custo dos alimentos no planeta.
Após o início da crise sanitária, porém, essa relação baixou,
chegando a 1,51 em abril de 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL). À época, os
preços de commodities agrícolas também eram pressionados pelo início da Guerra
na Ucrânia.
Ainda de acordo com Imaizumi, o poder de compra de um salário
mínimo mostrou retomada na sequência, alcançando a faixa de 1,8 cesta básica em
momentos de 2023 e 2024, já no terceiro governo Lula.
No estudo, o resultado mais recente à disposição é relativo a
novembro do ano passado, quando a relação ficou em 1,7.
Na prática, o dado indica que, apesar da melhora, o poder de
compra ainda não recuperou o patamar de antes da pandemia (2,07). E a projeção
é de que isso não ocorra em breve.
O levantamento estima que um salário mínimo conseguirá
comprar perto de 1,7 cesta básica tanto em dezembro de 2025 quanto em dezembro
de 2026, ano eleitoral no Brasil. A perspectiva é de uma relativa estagnação.
A título de comparação, o valor era de 1,97 cesta em dezembro
de 2019, antes do choque da Covid-19. A marca estava em patamar semelhante em
dezembro de 2010 (1,92), no final do segundo mandato de Lula.
"O desemprego está em níveis mínimos, a economia está
crescendo, mas muitos perguntam por que não se vê isso refletindo nas pesquisas
de aprovação do governo. É porque as pessoas vão ao supermercado, veem preços
mais altos e sentem que não recuperaram o poder de consumo de antes da
pandemia", diz Imaizumi.
Ele afirma que a carestia dos alimentos não é uma
exclusividade do Brasil e que situações semelhantes ocorrem em outros locais
devido a uma sucessão de choques nos preços.
Porém, o economista aponta que a preocupação com as contas
públicas no país ajudou a desvalorizar o real ante o dólar. A moeda americana
em patamar mais alto pressiona os alimentos.
Por isso, na visão de Imaizumi, o que o governo federal
deveria fazer é sinalizar "maior compromisso" com a trajetória das
contas públicas. Essa seria uma medida ao alcance do Palácio do Planalto para
tentar atenuar os preços dos alimentos, diz o economista.
Além disso, segundo ele, autoridades no país também deveriam
avançar em projetos de mitigação de impactos climáticos na produção de
alimentos. "Tem tecnologia no campo, mas faltam algumas políticas de
prevenção. Isso também afetou a inflação nos últimos anos."
O levantamento ainda traz uma comparação que substitui o
salário mínimo em vigor pelo rendimento médio do trabalho nominal no Brasil. O
cenário, contudo, é semelhante.
Segundo Imaizumi, a renda do trabalho no país comprava 4,82
cestas básicas em São Paulo na média de 2010 a 2019, antes da pandemia. Essa
relação chegou a recuar a 3,35 em maio de 2022, após a explosão da crise
sanitária e da Guerra na Ucrânia.
Nos anos seguintes, o indicador sinalizou recuperação
parcial, fechando novembro de 2024 em 4,06. Porém, a previsão é de que o poder
de consumo fique praticamente estagnado em 3,87 cestas básicas em dezembro de
2025 e em 3,81 em dezembro de 2026.
Ou seja, sob essa ótica, a relação também tende a seguir
abaixo do patamar pré-pandemia. "O mercado de trabalho está melhorando, a
renda média está melhorando, há o reajuste do salário mínimo acima da inflação,
mas nada disso vai estancar o efeito do nível dos preços dos alimentos",
projeta Imaizumi.
O estudo usa dados da cesta básica do Dieese (Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O valor era de R$
828,39 em São Paulo em novembro do ano passado.
No caso do rendimento, a fonte é o IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística). A renda média nominal habitualmente recebida pelos
trabalhadores estava em R$ 3.285 no país no trimestre até novembro.
Para garantir a comparabilidade com o rendimento, o
especialista olhou para o preço da cesta básica em uma média móvel de três
meses.
Já o salário mínimo era de R$ 1.412 no ano passado. O valor
foi reajustado para R$ 1.518 em 2025.
O estudo ainda leva em consideração projeções para a inflação
dos alimentos neste e no próximo ano. Segundo Imaizumi, parte dos produtos até
deve subir menos em 2025 com a perspectiva de safra recorde de grãos.
Por outro lado, itens importantes da cesta de consumo, como
café e carnes, devem seguir pressionando o bolso das famílias, indica o
economista.
Na sexta (31), a Petrobras anunciou aumento no preço médio do
óleo diesel nas refinarias. Como o combustível é um dos insumos da produção e
do transporte de alimentos, pode pressionar a inflação da comida, dependendo do
nível dos repasses ao longo da cadeia.
Antes, na quinta (30), Lula disse que não fará
"bravatas" para conter o custo da alimentação. O presidente sinalizou
que vai se reunir com empresários e produtores e descartou medidas heterodoxas
—sem mencionar a ideia de taxar exportações do agronegócio, que foi defendida
por ala do PT como forma de conter os preços.
Por Bahia Notícias