Foto: Reprodução / Sesab
O maruim, mosquito transmissor da febre oropouche, pode ter
se adaptado às condições ambientais fora da região amazônica, onde os surtos
eram mais comuns há algumas décadas. A adaptação estaria por trás dos números
recordes de doença no Brasil e, em espescial no Espírito Santo, em 2024.
A avaliação é de pesquisadores da Fiocruz e da UFES
(Universidade Federal do Espírito Santo) em um estudo publicado em dezembro.
Não à toa, o estado capixaba concentra 99% dos casos neste
ano, em um total de 893 registros no país. O número de janeiro já é maior do
que todo o ano de 2023.
No ano passado, cerca da metade destes casos foi
diagnosticada no Espírito Santo, onde houve 5.794 contaminações, segundo o
Ministério da Saúde.
O oropuche integra o grupo das arboviroses, doenças causadas
por mosquitos como o conhecido Aedes Aegypti, vetor da dengue, da zika e da
chikungunya.
O maruim é conhecido desde os anos 1960 no Brasil, quando foi
detectado entre humanos, macacos e bichos-preguiça.
Apesar dos surtos isolados na região amazônica, ele está
presente em todo continente americano. Os pesquisadores tentam, agora, decifrar
a vida em um bioma onde, até então, não eram um problema.
Sintomas e características
A similaridade com o Aedes Aegypti é restrita à alimentação a
partir de sangue. Enquanto o aedes lembra um pernilongo, o maruim parece uma
pequena mosca. O aedes é considerado urbano. O maruim, rural.
As doenças causadas pelos dois, porém, são similares.
A febre oropouche causa dor de cabeça, muscular e nos olhos,
febre, náuseas e diarreia. Nos casos mais graves, leva à morte. Como a zika,
também é associada à transmissão vertical, quando o vírus passa de uma gestante
infectada para o feto.
Em novembro, a Fiocruz confirmou uma morte fetal no Ceará por
oropouche, uma malformação no Acre e 23 casos desse tipo ainda estão em
investigação pela Saúde.
O biólogo Edson Delatorre, pesquisador do laboratório de
genômica e ecologia viral da UFES e um dos autores do estudo, afirma que o
maruim se beneficia de matéria orgânica em locais próximos a fontes de água,
animais e seres humanos.
Segundo ele, a produção de banana em pequenas propriedades
rurais, próximas a fontes d’água e a trechos de mata atlântica, como no
Espírito Santo, podem ter facilitado a adaptação e a proliferação do maruim com
a doença em outro bioma.
O governo capixaba calcula que 75 dos 78 municípios são
produtores de banana.
Historicamente, a ciência mostra que o maruim também se
beneficia de produções de cacau, uma produção típica da Bahia. Em agosto
passado, duas mulheres morreram vítimas do oropouche em municípios baianos.
Com essas condições à disposição, o artrópode tem acompanhado
o regime de chuvas e "andado" pelo mapa. "Nos períodos chuvosos
no norte, o maruim aparecia mais no norte do Espírito Santos e sumia em
períodos mais secos. Quando chovia no sul, ele aparecia no sul", explica o
pesquisador.
Consequentemente, o governo do Espírito Santo confirmou a
morte por oropouche de uma mulher de 61 anos em dezembro. Uma segunda morte
está em investigação.
"O oropouche tem uma taxa alta de retorno. Cerca de uma
semana depois, o paciente deixa de sentir os sintomas, como se o vírus se
escondesse. Dias depois, ele reaparece com muita intensidade", diz
Delatorre.
Os inseticidas comuns no mercado também ainda não são
produzidos especificamente contra o maruim, nem há uma vacina específica,
afirma. Aos infectados, o descanso. "O tratamento é como o de outras
arboviroses: hidratação e repouso."
O secretário de saúde do Espírito Santo, Tyago Hoffmann,
diverge da hipótese de uma linhagem mais resistente do maruim em um ambiente
fora da Amazônia.
Para ele, o maruim está em todo território nacional, mas
encontrou as condições climáticas e ecológicas suscetíveis para proliferar no
estado. Em nota, Hoffmann afirma que 100% dos casos suspeitos são testados no
Espírito Santo, com resultados em até 24 horas.
O investimento estadual apenas contra a doença é de R$ 10
milhões. Uma força-tarefa entre secretarias estaduais e institutos de pesquisa
estuda amostras para "melhor compreender as mudanças sofridas pelo vírus
que permitiram sua expansão", diz. Em dezembro, o próprio Ministério da
Saúde admitiu que a expansão atípica do oropouche ainda é uma questão
enigmática para o governo federal.
Rivaldo Cunha, secretário-adjunto da Secretaria de Vigilância
em Saúde e Ambiente do governo federal, afirmou à Folha em dezembro que ainda é
preciso estudar um plano de ação específico para evitar "uma dor de
cabeça" como a de 2015, durante o surto de zika.
Na ocasião, o surto do vírus no Nordeste provocou
inesperadamente malformação —a chamada hidrocefalia— em bebês. Os episódios
duraram cerca de dois anos. "Nós não queremos vivenciar a mesma correria
da zika com o oropouche", disse Rivaldo.
Por Bahia Notícias