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Reflexo de um mercado de trabalho aquecido, a falta de mão de
obra qualificada no país tem desafiado diferentes setores a buscarem
alternativas para manter e aumentar a produção.
Em setembro, o Brasil abriu 247.818 vagas formais, segundo
dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) divulgados pelo
Ministério do Trabalho e Emprego, com saldo positivo em todos os estados.
O cadastro considera apenas vagas formais e mostra que o
setor de serviços liderou essa abertura de oportunidades, com 128,4 mil postos,
seguido pela indústria (59,8 mil), comércio (44,6 mil) e construção (17 mil). A
agropecuária perdeu 2.000 postos.
Mas agora, assim como na década passada, a construção civil é
um dos primeiros a sentir os efeitos da falta de trabalhadores capacitados, e a
série histórica de uma sondagem feita com empresas pelo FGV Ibre (Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) ajuda a dimensionar o
problema.
Em setembro deste ano, 29,4% dos empresários da construção
apontaram a escassez de mão de obra qualificada como fator que limita o
desenvolvimento de negócios --é o patamar mais alto desde o fim de 2014.
Os anos pré-crise de 2014 a 2016 foram de aquecimento do
mercado imobiliário --e a consequente falta de trabalhadores. Os jornais na
época registravam oferta de vagas para engenheiros recém-formados, a vinda de
profissionais de outros países e aumentos salariais para toda a cadeia da
construção.
"Desde o ano passado, a falta de mão de obra qualificada
voltou a ganhar relevância e se manteve como limitação para as empresas",
diz Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do FGV Ibre.
"O período até 2013 foi de grande crescimento do setor
imobiliário, com Minha Casa, Minha Vida, obras da Copa e das Olimpíadas. Era
uma economia que estava crescendo. Agora, o ritmo é mais lento, mas as
preocupações do setor começam a crescer."
Em julho, a instituição perguntou ao setor o que as empresas
estavam fazendo para contornar a dificuldade de contratação. No total, 33,1%
disseram ter aumentado a remuneração, 51,5% investiram em treinamento e 46%
adotaram rodízio de equipes, deslocaram trabalhadores entre obras, por exemplo.
De acordo com Gustavo Siqueira, vice-presidente de recursos
humanos para América Latina na fabricante para o mercado de construção
Saint-Gobain, o foco está em reter e atrair profissionais qualificados por meio
de um ambiente de trabalho positivo, desenvolvimento de colaboradores e ações
concretas.
O grupo oferece trilhas de desenvolvimento contínuo para
competências técnicas.
"Buscamos sempre manter as contratações como prioridade
em nossas atividades, mesmo trazendo cada vez mais tecnologia e inovação ao
setor. Nossas estratégias de desenvolvimento de pessoas não só preenchem as
lacunas de habilidades, mas também contribuem para a retenção e motivação da
nossa equipe", diz.
Segundo Tatiane Cardoso de Paula, diretora de RH da
Saint-Gobain Canalização, o grupo também tem investido em treinamentos e
iniciativas de desenvolvimento, entre as quais um programa de mentoria para
jovens talentos da organização.
Apesar do problema, Castelo ressalta que é preciso olhar em
perspectiva e considerar que o mercado de trabalho aquecido reflete o contexto
de investimentos já realizados.
"A tendência é que a construção permaneça aquecida ainda
por algum tempo, mas o aperto nas regras de crédito imobiliário e o aumento dos
juros devem ter um efeito de arrefecimento lá na frente."
O mercado de consumo mais forte também anima as calçadistas,
apesar de uma redução prevista no comércio internacional com a queda das
compras da Argentina e a concorrência com os asiáticos.
"O nosso problema também é a falta de mão de obra
capacitada", diz João Marcelo Fernandes, gerente de Recursos Humanos da
Kidy. Após o período crítico durante a pandemia, ele conta que a marca produz
16 mil pares por dia, e surgiu a necessidade de contratar pessoal.
Com isso, a fabricante optou por renovar cargos, deixando-os
mais atrativos para que os funcionários mais novos permaneçam na empresa e
busquem posições internas, além de contar com um programa de capacitação do
Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).
"Temos planos para 40 novos aprendizes, com um programa
de apadrinhamento." As medidas para contornar a falta de profissionais com
múltiplas capacitações ainda incluem formar auxiliares que em determinado
período vão para as mesas de corte, serigrafia e injeção. Também há incentivo à
formação universitária da equipe, diz.
Dados da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de
Calçados) a partir do Caged mostram que o setor encerrou agosto com saldo
positivo de 12,4 mil postos.
"A falta de pessoal capacitado está acontecendo no nosso
e em outros setores. Quando há uma dificuldade de contratação, o problema tem
origens positivas, mas pode ser uma dor de cabeça", diz o
presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira.
"É similar ao que ocorreu até 2013, o que mudou é que
hoje há também possibilidade do candidato ir trabalhar nas plataformas digitais
--e isso é uma concorrência para indústria de transformação."
"Com a indústria 4.0, ocorreu um boom tecnológico e a
necessidade de mão de obra que nós temos, ligada à tecnologia, é a mesma que o
supermercado e o mercado financeiro têm", diz João Alfredo Delgado,
diretor-executivo de Tecnologia da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria
de Máquinas e Equipamentos).
A indústria passou a concorrer com todos os setores pelo
mesmo tipo de profissional, avalia.
Segundo ele, as empresas do setor têm investido em programas
de aprendizagem industrial e buscam se aproximar da mão de obra mais jovem.
"Não sei se a geração Z quer uma carreira de longo prazo, mas ela ainda
tem uma visão distorcida da indústria. Vejo pelos meus filhos, que adoram
jogos, mas não percebem que o maior parque de diversões é a indústria, onde
eles podem receber para programar robôs reais."
Por Bahia Notícias