Foto: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirma que o Brasil não pode continuar convivendo com uma judicialização crescente da Previdência Social. Ele antecipa à Folha de S.Paulo que o governo elabora medidas para uma reforma estrutural com o objetivo de reduzir as despesas com precatórios, dívidas resultantes de uma ação judicial para a qual não cabe mais recurso.
 

Segundo Ceron, as medidas poderão ter impacto já em 2027. "Para o orçamento de 2027, podemos ter já efeitos de medidas importantes de redução de litigância. Até mesmo com mecanismos de acordos antes do trânsito em julgado, antes da geração desses grandes passivos", diz.
 

A partir de 2027, todas as despesas de precatórios terão que entrar no limite de gastos e considerados para verificação da meta fiscal, segundo acordo celebrado entre o governo com o STF (Supremo Tribunal Federal). Hoje, uma parcela dos precatórios é paga dentro das regras fiscais e outra fica de fora. Em 2025, a conta de precatórios vai superar R$ 100 bilhões.
 

A necessidade de administrar a inclusão dessas despesas crescentes no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2027 é fator de pressão sobre o arcabouço fiscal. Se o governo não propor uma saída logo para os precatórios, especialistas em contas públicas consideram que há risco de acontecer a mesma coisa do que ocorreu em 2022, no governo Bolsonaro, durante as eleições presidenciais.
 

Naquele ano, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou uma proposta de orçamento de 2023 repleta de cortes de despesas de programas importantes, como o Farmácia Popular, para compensar o aumento das despesas obrigatórias. Os cortes acabaram sendo tema de campanha de Lula, adversário de Jair Bolsonaro na eleição.
 

"Temos uma judicialização crescente, gigantesca. Precisamos encontrar um caminho para sair. Temos também judicialização excessiva de programas sociais, como, por exemplo, o BPC [Benefício de Prestação Continuada] por conta de redações legislativas", ressalta
 

O secretário afirma que a judicialização é decorrente de falhas ou possíveis dubiedades em regramentos estabelecidos. Ele defende uma pacificação com harmonização das regras.
 

Ceron informa que as soluções em análise envolvem o aprofundamento dos instrumentos de acordo antes que haja a decisão definitiva das ações no Judiciário. De acordo com ele, a AGU (Advocacia-Geral da Fazenda Nacional) já vem fazendo um trabalho nessa direção. "Aprofundar isso reduz muito o passivo. Temos que ir [combater] para a causa", sugere.
 

O auxiliar do ministro Fernando Haddad (Fazenda) ressalta que houve o represamento de benefícios previdenciários, o que levou uma parte da população a recorrer ao Judiciário. Mas pondera que, para além disso, se observa um crescimento dos RPVs (Requisição de Pequeno Valor) que precisa ser fechado.
 

Ceron defendeu um debate franco com o Judiciário para pacificar uma solução. "Para a gente chegar, em 2027, a um debate muito mais previsível e estrutural, sem artifícios, sem aquele tipo de solução que não resolva estruturalmente essa dinâmica. Não posso ir além disso [revelar]. Mas tem condições de reduzir o volume de precatórios", diz.
 

Para ele, essa seria uma reforma microeconômica gigantesca, que permitirá maior segurança jurídica: " É um debate [de medidas] em construção. O país vem postergando isso há mais de uma década."
 

PEC DOS FUNDOS PÚBLICOS
 

O secretário defendeu a desvinculação de até 25% dos superávits financeiros dos fundos públicos do Executivo para dar suporte a financiamento de projetos voltados para ações de mitigação das mudanças climáticas e transição energética. Como revelou a Folha de S.Paulo, a medida foi incluída numa PEC (Proposta de Emenda Constitucional) já aprovada no Senado e que está tramitando na Câmara.
 

"Fazemos isso sem nenhum tipo de artifício. É uma despesa financeira, porque é reembolsável. Não altera em nada a situação patrimonial da União", diz. Ele admite, no entanto, que pode ter o impacto por conta diferencial da taxa de juros desses financiamentos.
 

"Não é nenhuma inovação. É uma despesa orçamentária com um ritmo absolutamente normal e previsível. Algo supernatural", afirma.
 

Ele pondera que não há na redação do texto da PEC a indicação de quem será o operador dos recursos: se vai ser via um leilão a mercado, pelo Banco do Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social ou todos eles.
 

"O objetivo é garantir que tenha esses recursos em caso de necessidade. Está no controle do Ministério da Fazenda, eventualmente, fazer ou não. Talvez eles [os fundos] nem sejam necessários. Se tivermos o recurso das fontes não vinculadas para manter o orçamentário do Fundo do Clima [operado pelo BNDES}, não será necessário", diz
 

O diagnóstico do governo é preciso estar preparado para dar uma resposta menos açodada para essas ações. A eventual aprovação da PEC, porém, é vista com preocupação por uma ala de técnicos do Tesouro, pois os financiamentos do BNDES para ações ligadas ao clima têm juros ao redor de 6% ao ano ou até menos, a depender do tipo de projeto.
 

RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA DOS ESTADOS
 

O secretário previu um impacto de R$ 15 bilhões a R$ 16 bilhões do projeto de renegociação da dívida dos estados com as mudanças que foram aprovadas pelo Senado, no início de agosto. A proposta tramita agora na Câmara. Ele defende a renegociação porque hoje, na prática, os estados endividados não pagam a dívida. Especialistas têm estimativas que variam de R$ 40 bilhões a R$ 60 bilhões de impacto.
 

"Deixar isso simplesmente correr, vai chegar um momento em que, no papel, você vai ter um estado devendo 300% da sua dívida, não vai ter condições de pagar, e o Congresso vai acabar, ou o Judiciário até, optando por um perdão de dívida", adverte. Na sua opinião, esse seria o pior precedente que poderia acontecer para o país.
 

Ceron não se mostrou favorável a incorporar na negociação as dívidas dos estados com bancos que foram honradas pelo Tesouro. No RRF (Regime de Recuperação Fiscal) aberto para socorrer os estados superendividados, os débitos com outras instituições também foram incluídos no acordo, além da dívida com a União. Sair deste programa para aderir a um plano que não alcança esses valores é visto como desfavorável pelos estados. "No primeiro momento, não nos parece adequado. A rigor não é uma relação com a União", diz.
 

MEDIDAS PARA SUSTENTAÇÃO DO ARCABOUÇO
 

Ceron diz que não há problema se despesas cresçam dentro de uma dinâmica sustentável, mas pondera que o debate de medidas estruturais para redução de despesas obrigatórias precisa ainda de maturação. Ele lembra que e reforma previdenciária foi sendo construída até que o Congresso abraçou para ser aprovada em 2019.
 

"O país está muito bem, estamos num momento sensacional, crescendo bem. Não podemos ter retrocesso. A gente vai ter que fazer reformas. Nem tudo a sociedade está pronta por mais que tecnicamente seja adequado. O nosso papel é ir colocando de uma forma legítima", acrescenta
 

ALTA DA DÍVIDA PÚBLICA
 

O secretário disse acreditar ser possível reduzir a previsão de alta da dívida bruta, que na conta do próprio Tesouro vai ultrapassar 81% do PIB (Produto Interno Bruto) a partir de 2026. "Talvez, a gente consiga [reduzir a projeção]. Depende do governo, do Congresso abraçar as medidas, para que garanta a continuidade do ciclo positivo que o Brasil vive", diz.
 

Ele destaca que o crescimento da dívida vai se estabilizar (parar de crescer) em 2028 e que isso não mudou. A diferença é que o endividamento vai se estabilizar num patamar mais alto. "[Antes] estava no limiar dos 80% do PIB, 79% e agora entre 81% e 82%. Precisamos trabalhar para garantir uma convergência das expectativas de inflação e o BC voltar a um processo de flexibilização da política monetária", afirma.

Por Bahia Notícias