
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O governo Lula (PT) acelerou a
liberação de emendas parlamentares e superou R$ 22 bilhões pagos antes da trava
imposta pela lei por causa das eleições municipais.
A cifra desembolsada ultrapassa
os cerca de R$ 17 bilhões (em valores já corrigidos) distribuídos antes das
eleições de 2022 por indicações de deputados e senadores, período em que Jair
Bolsonaro (PL) governava o país. O recurso será direcionado principalmente aos
cofres das prefeituras.
O volume de recursos
desembolsados se deu devido a pressão de Câmara e Senado, que forçou o governo
a fechar acordo para não sofrer derrotas no Congresso.
Os dados de pagamentos são de
quinta-feira (4), divulgados nesta sexta-feira (5) em portais da transparência.
A soma de emendas pagas deve subir durante o dia.
A partir da próxima semana, a
margem para repasse de emendas fica limitada a poucos casos, como o custeio de
obras em andamento. Isso porque a legislação eleitoral impõe uma série de
vedações nos três meses que antecedem o pleito para evitar abusos de poder
político e econômico.
A trava se aplica às
transferências da União e a inaugurações de obras, entre outras ações.
As emendas são uma forma pela
qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em
suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade
do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de
maior demanda no país.
A maior parte das emendas (ao
menos R$ 18,5 bilhões) será injetada em governos municipais para turbinar
fundos de saúde e custear convênios para obras. Os repasses vão beneficiar mais
de 5.300 municípios com pagamentos de R$ 21,5 mil a R$ 153 milhões. São Gonçalo
(RJ) recebeu a maior cifra.
A verba enviada ao município
governado por Capitão Nelson (PL) supera os investimentos previstos para todas
as áreas (R$ 144,6 milhões) na lei orçamentária local. A maior parte dos
recursos foi indicada pela Comissão de Saúde da Câmara, o que dificulta a
identificação dos padrinhos políticos específicos da verba.
O dinheiro para a saúde domina
os pagamentos de emendas, pois metade das indicações individuais de deputados e
senadores deve ser aplicada no setor. O recurso pode bancar mutirões de exames
e cirurgias, além de aliviar o caixa de prefeitos ao aumentar o financiamento
federal das ações em hospitais e ambulatórios.
Coordenador acadêmico da Abradep
(Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o advogado Renato
Ribeiro de Almeida disse que a injeção das emendas pode potencializar situações
de abuso de poder e favorecer candidatos ligados aos comandos dos municípios.
"Já é sempre difícil lutar
contra a situação, pois o cargo [de prefeito] já dá uma exposição. Se o sujeito
está no cargo e faz uso de recursos para suplementar ainda mais as políticas
públicas em curso, aumenta a dificuldade da oposição", disse Almeida.
A distribuição de emendas ainda
está no centro de suspeitas recentes de irregularidades. É o caso da
investigação da Polícia Federal que aponta que o ministro das Comunicações,
Juscelino Filho, atuou no desvio de verbas para obras bancadas por indicações
feitas por ele mesmo, no período em que exercia o mandato de deputado federal.
Juscelino nega as suspeitas de corrupção.
Uma série de reportagens da
Folha de S.Paulo ainda mostrou que a emenda amplia desigualdades em políticas
públicas, criando inclusive um abismo no acesso à água. Na prática, municípios
mais necessitados são ignorados, enquanto redutos políticos são abastecidos sem
nenhum tipo de critério técnico.
A cifra total paga em emendas
pelo governo corresponde a cerca de 40% dos R$ 52 bilhões disponíveis em 2024
para indicações individuais de deputados e senadores, além daquelas feitas por
bancadas estaduais e comissões do Congresso Nacional.
A influência das transferências
especiais, conhecidas como "emenda Pix", disparou no pleito atual.
São ao menos R$ 4,4 bilhões distribuídos nessa modalidade, principalmente às
prefeituras, contra R$ 1,5 bilhão pagos no ano da última eleição.
O deputado ou senador indica
apenas o local que vai receber a emenda Pix, sem a necessidade de encaixar o
recurso dentro de programas da prefeitura ou convênios.
O município de Macapá (AP)
recebeu mais de R$ 44 milhões em transferências especiais. Apenas o senador
Lucas Barreto (PSD), aliado do prefeito Dr. Furlan (MDB), que busca a
reeleição, encaminhou R$ 17,2 milhões para a cidade. A reportagem procurou o
gabinete do senador e aguarda manifestação.
Os dados já disponíveis apontam
que parlamentares do PL, maior bancada da Câmara, lideram o valor de emendas
pagas (R$ 1,9 bilhão). A cifra equivale a cerca de 42% das emendas disponíveis
a deputados e senadores do partido de Bolsonaro.
A proporção desembolsada é
inferior a de bancadas como do PSD (67%) e do PT (52% pago).
Além da vontade política do
governo, o ritmo de pagamento das emendas pode variar conforme o tipo de verba
que é solicitada pelo parlamentar. Uma transferência direta ao cofre do
município é mais simples de executar, enquanto uma obra de pavimentação pode
levar mais meses, por exigir assinatura de convênio ou uma licitação.
O repasse de emendas bilionárias
com baixa transparência tornou-se um símbolo das negociações entre Congresso e
Planalto durante a gestão Jair Bolsonaro (PL).
O STF (Supremo Tribunal Federal)
chegou a proibir as emendas de relator –modalidade que ficou conhecida como
"orçamento secreto"–, mas o Congresso contornou o veto e encaixou as
verbas em emendas de bancada e comissão, que também não apontam o verdadeiro
padrinho político da verba.
A falta de transparência das
emendas voltou ao debate no STF. O ministro Flávio Dino determinou uma
audiência de conciliação em 1º de agosto com diversas autoridades para avaliar
se as práticas já declaradas inconstitucionais pela corte se mantêm.
"Fica evidenciado que não
importa a embalagem ou o rótulo (RP 2, RP 8, 'emendas pizza' etc.). A mera
mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como
inconstitucional pelo STF, qual seja, a do 'orçamento secreto'", afirmou
Dino em decisão.
Há ainda categorias de emendas
em que é mais difícil apontar qual município será beneficiado. É o caso da
verba usada para compra de maquinários, como tratores, ou pavimentações. Nesses
casos, os portais de transparência acabam apontando como local beneficiado as
sedes das empresas contratadas.
O governo ainda correu para
acelerar o desembolso dos "restos a pagar" de emendas de anos
anteriores. De forma geral, são verbas de obras e outros serviços em andamento
e que são pagas conforme o serviço avança.
O valor pago em 2024 das emendas
pendentes soma R$ 6 bilhões.
Durante a campanha de 2022, Lula
chamou as emendas de relator de o "maior esquema de corrupção da
atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão".
As negociações por verba, porém,
seguem com baixa transparência e sob influência no Congresso dos mesmos atores
que atuavam na gestão Bolsonaro. No caso da Câmara, o próprio da presidente,
Arthur Lira (PP-AL), é um dos responsáveis pela partilha de verbas de comissão.
Ele repassa o valor acordado com o líder de cada partido, que depois transfere
aos deputados. Esse modelo foi apelidado de pizza na Câmara.
Como a Folha de S.Paulo revelou,
a Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara dos
Deputados favoreceu Alagoas na divisão das emendas parlamentares de 2024,
estado que é a base política de Lira.
Se o governo seguir a indicação
do colegiado, as prefeituras e o governo alagoano serão o destino de cerca de
R$ 320 milhões, do total de R$ 1,1 bilhão em emendas disponíveis na comissão. O
valor supera a soma da verba indicada pelo mesmo órgão a 19 outros estados.
Por Bahia
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