Jessika lançou o primeiro livro de contos em 2022 Crédito: Divulgação
Escritora,
feminista negra, ativista, mãe: Jessika de Oliveira, 32 anos, natural de Baixa
Grande, no interior da Bahia, recebeu duas honrarias internacionais por seu
livro de estreia, a coleção de contos Festa de Aniversário. São elas: o Prêmio
Talentos Helvéticos-Brasileiros, realizado em Genebra, e a solenidade de
Congraçamento entre Artistas e Escritores, em Boston, que foram entregues entre
6 e 10 de março.
De Baixa
Grande a Salvador, depois Feira de Santana, Luís Eduardo Magalhães e, por fim,
Jequié, onde vive e leciona atualmente, Jessika levou sua escuta por todos os
cantos por onde passou. Festa de Aniversário, lançado de forma independente há
pouco mais de um ano, é fruto dessa atenção. São seis histórias de mulheres
negras que denunciam lutas, dores, amores, luto, coragem, fé e ressignificação.
A inspiração foram vivências da própria Jessika e das mulheres que a rodeiam.
Após
publicar de forma física o conto Festa de Aniversário na antologia Conte-me um
Conto, em 2019, ela participou de uma seleção para outra antologia, só com
textos de mulheres, e publicou mais dois poemas e um conto. Foi em 2022 que
nasceu o primeiro livro, que leva o mesmo nome do conto inaugural, agora como
uma coleção de histórias curtas.
Jessika
explica que a obra nasceu da urgência em denunciar histórias que normalmente
são deixadas para depois no Brasil. “O livro não fala sobre uma festa de
aniversário bonita, mas sobre essas ‘festas’ que matam. Sobre o racismo, o
feminicídio, que todos os anos, de forma estatística, fazem aniversário. Então,
o título, às vezes, engana quem pega o livro achando que vai mergulhar em festa
de uma forma positiva”, diz.
A escrita
não foi um processo tão calmo. Além de ter sido feito enquanto ela se preparava
para a seleção de mestrado e já lecionava em escolas da região, Jessika revela
que foi difícil não se render às preocupações ao escrever literatura negra pela
ótica da denúncia. “A gente sempre vai se deparar com o momento que para e fica
triste ou que fala: ‘será que vai valer a pena tocar nessas feridas?’, porque
nem sempre as pessoas querem comprar coisas que não são tão felizes para ler”,
diz.
Ao receber
os convites para os prêmios em seu e-mail, ela conta que sentiu um misto de
alegria, nervosismo e dúvida. Respondeu ao e-mail perguntando se era mesmo para
ela. A confirmação veio prontamente: “Confesso que esperava que um dia esses
retornos fossem acontecer, mas também não imaginava que fosse tão rápido.
Fiquei super feliz quando vi, porque além da proporção que tem o prêmio, é um
reconhecimento para uma autora de uma cidadezinha no interior da Bahia. Sempre
falo que a literatura consegue furar as barreiras dos muros da escola”.
Integrante
da Academia Internacional da Literatura Brasileira, Jessika já nasceu rodeada
por histórias. Não poderia ser diferente: membro de uma família de professoras,
ela diz que o amor pelas palavras vem do berço. Ainda jovem, postava as obras
em blogs e redes sociais, e se aproximou ainda mais da parte teórica da escrita
ao ingressar no curso de Letras da Ufba em 2013.
Jessika foi
a primeira mulher a ocupar e residir oficialmente na I Residência Universitária
Masculina da Ufba em 2013, que hoje é uma residência mista, e iniciou seus
movimentos com palestras e promoções de discussões raciais dentro e fora da
universidade.
Por quase
dois anos, ela continuou a levar o gosto pela literatura para jovens através do
Clube de Leitura Preta, grupo de estudos literários focado em autores negros
brasileiros que acontecia numa escola quilombola em Jequié. Além das 25
crianças envolvidas, a ação movia mais de cem pessoas da região. Em novembro de
2023, por exemplo, uma das atividades dos estudantes do ensino fundamental foi
a construção de um e-book com contos deles. O grupo, porém, precisou finalizar
as atividades em dezembro do ano passado por falta de apoio da Secretaria de
Educação do Estado. “Ver o clube encerrar suas atividades não é o fim, é o
começo de uma nova era desse projeto que está enraizado na vida de diversas
pessoas, inclusive na minha”, revela Jessika.
Para ela,
desistir de ampliar o acesso à literatura não é uma opção. Como uma mulher
negra e liderança feminina, a escritora diz ter consciência da importância da
sua existência à frente dos projetos – e de como ainda causa incômodo naqueles
de mente fechada. “Sempre falo que nossas conquistas enquanto pessoas negras
nunca são tão individuais”, pondera.
*Com
orientação de Monique Lôbo.
Por
Correio24horas