Foto: Reprodução Redes Sociais
Os portugueses vão às urnas
neste domingo (10) para escolher o novo Parlamento após uma campanha que ficou
marcada pelo inédito protagonismo da imigração, um cenário já comum em outros
países da União Europeia.
O número de estrangeiros
legalmente residentes em Portugal, que tem 10,3 milhões de habitantes,
ultrapassou a barreira de 1 milhão em 2023. Os brasileiros representam cerca de
40% desse total.
Ainda que as declarações mais
duras sobre o tema tenham sido feitas por representantes do partido de
ultradireita Chega, que defende o estabelecimento de cotas para a entrada de
imigrantes, a defesa de mudanças nas políticas migratórias não se restringiu à
legenda populista.
Em comício eleitoral da Aliança
Democrática (AD), coligação dos partidos da direita tradicional, o ex-premiê
Pedro Passos Coelho (2011-2015), do PSD (Partido Social Democrata), associou o
aumento da imigração à insegurança em Portugal.
"Lembro-me de uma
intervenção em 2016 em que eu disse que nós precisamos ter um país aberto à
imigração, mas 'cuidado, porque precisamos de ter também um país seguro'. O
governo [socialista] fez ouvidos moucos disso. Na verdade, hoje as pessoas sentem
uma insegurança que é resultado da falta de investimento que se deu a essas
matérias", afirmou.
Os números oficiais, contudo,
não indicam um aumento da insegurança associada à chegada de mais estrangeiros.
Dados mais recentes do Rasi (Relatório Anual de Segurança Interna) mostram que
a criminalidade violenta e grave caiu 7,8% em 2022 em comparação com 2019
(último ano pré-pandemia). A população estrangeira legalmente residente cresceu
mais de 90% no mesmo período.
A fala do ex-premiê foi
condenada por representantes de várias associações de apoio aos imigrantes,
incluindo a Casa do Brasil de Lisboa.
Após semanas de empate técnico
com o Partido Socialista (PS), no poder desde 2015, a AD aparece agora na
liderança nas principais pesquisas de intenção de voto. Em levantamento da
Universidade Católica Portuguesa para o jornal Público, divulgado na quinta-feira
(7), a coligação de direita tinha 34%, e o PS registrava 28%.Em terceiro, o
Chega marcava 16%. A margem de erro é dois pontos percentuais para mais ou para
menos.
A campanha acabou oficialmente
na sexta-feira (8). O sábado, véspera do pleito, foi o chamado dia de reflexão,
quando há veto de divulgação de pesquisas, e a imprensa não pode falar de
partidos ou candidatos. Em teoria, o dia serve para que o eleitor possa
ponderar sobre seu voto com menos interferência.
Presidente do PSD, legenda de
Passos Coelho, e candidato a primeiro-ministro pela coligação de direita, Luís
Montenegro, 51, defendeu regular a imigração e fomentar políticas de integração
como forma de reduzir a suposta violência associada às migrações.
Na avaliação do cientista
político António Costa Pinto, do ICS (Instituto de Ciência Sociais de Lisboa),
o crescimento das intenções de voto na ultradireita, atualmente em terceiro
lugar nas pesquisas, tem influenciado também o posicionamento da direita tradicional.
"Isso já está testado de
forma ampla na Europa. Perante a ameaça da direita radical, os partidos de
centro-direita tendem a tentar ocupar esse espaço", considera.
O pesquisador afirma que
experiências de outros países europeus mostram que essa guinada mais à direita
dos partidos tradicionais nem sempre convence os eleitores. "Muitas vezes,
o cidadão que vota à direita prefere a verdade à cópia. Ou seja, prefere os
Venturas [André, líder do Chega] aos imitadores mais ou menos
oportunistas."
Com uma população envelhecida e
baixas taxas de natalidade, Portugal está dependente da mão de obra estrangeira
para a manutenção de várias atividades econômicas, com destaque para a
agricultura e o setor de comércio e serviços.
Não por acaso, nos últimos anos,
o país facilitou a regularização de estrangeiros que entraram no território
como turistas, mas permaneceram para viver e trabalhar mesmo sem a documentação
adequada.
O sistema favoreceu sobretudo os
cidadãos das nações da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), com
mais de 100 mil pessoas beneficiadas por uma autorização de residência
automática que contemplou quem estava em processo de regularização.
Proporcionalmente, imigrantes
também contribuem mais para a Segurança Social do que os cidadãos nacionais,
embora recebam menos auxílios e subsídios. Em 2023, os estrangeiros pagaram EUR
1,8 bilhão (R$ 9,7 bilhões) em contribuições, enquanto receberam EUR 257
milhões (R$ 1,38 bilhão) em benefícios sociais dos cofres públicos.
Diante do aumento do custo de
vida, principalmente com a disparada de preços no mercado habitacional, a
população migrante encontra-se em maior situação de vulnerabilidade social.
A imigração dividiu com a
corrupção o foco da campanha portuguesa. As eleições legislativas, que deveriam
ocorrer em 2026, foram convocadas de forma antecipada após o premiê socialista
António Costa, no poder desde novembro de 2015, renunciar em novembro passado,
horas após a divulgação de uma investigação de corrupção em negócios do setor
de energia renovável que atingiu o núcleo do governo.
O novo secretário-geral do PS,
Pedro Nuno Santos, já parece sentir o desgaste dos anos do Executivo
socialista. Antigo ministro das Infraestruturas, saíra do governo de forma
atribulada, em meio à investigação do pagamento de uma indenização de EUR 500 mil
(R$ 2,7 milhões) a uma executiva da companhia aérea TAP no momento de sua
demissão. Alexandra Reis foi contratada por outra empresa pública pouco depois
e, em seguida, tornou-se secretária de Estado do Tesouro.
Em Portugal, os eleitores não
votam diretamente nos candidatos, mas sim nos partidos. As legendas podem se
organizar em arranjos pós-eleitorais para viabilizar outro arranjo governativo.
Por isso, a composição total da Assembleia interessa.
Líder da AD, Luís Montenegro
afirmou que só pretende ser premiê se vencer nas urnas e que não pretende
contar com o apoio da ultradireita para governar.
Já Pedro Nuno Santos, embora não
tenha declarado estar aberto a outras soluções, tampouco descartou uma possível
reedição da chamada geringonça, a coalizão de partidos de esquerda que em 2015
colocou no poder o Partido Socialista, na ocasião segundo colocado no pleito.