Foto: Marcos Vicentti/ Secom
A Prefeitura de Brasileia, no
interior do Acre, pretende mudar a sede do município para uma parte mais alta
da região após ser atingida pela maior cheia do rio Acre, que teve início no
dia 24 de fevereiro. Sedes da administração pública como a própria prefeitura,
secretarias de Planejamento, Assistência Social e Saúde, Câmara dos Vereadores
e Delegacia de Polícia Civil ficaram debaixo da água e ainda não foram
reativadas.
Dos 15 bairros da cidade, 12
foram ficaram submersos, o que representa 75% de toda área urbana, segundo a
gestão municipal. Mais de 15 mil pessoas foram afetadas. Esta é a quarta grande
cheia do rio em 12 anos e pela primeira vez afetou a zona rural do município,
deixando 617 famílias isoladas. A Reserva Extrativista Chico Mendes, pioneira
no conceito de unidade de conservação de uso sustentável, também sofreu as
consequências do incidente.
De acordo com a prefeita
Fernanda Hassen (PT), um estudo está sendo desenvolvido em parceria com a
Secretaria de Estado de Obras Públicas para mudar de lugar os bairros,
incluindo o centro, que reúne as sedes do Executivo. O projeto também prevê a
construção de habitações populares para os moradores que perderam tudo e não
poderão voltar para seus terrenos.
"A Prefeitura de Brasileia
propôs aos governos federal e estadual um projeto de ajuda humanitária e de
reestabelecimento da sede da cidade, com a mudança para uma área mais segura.
Nós atingimos a cota histórica na alta do rio Acre. Nós vamos doar as terras
para a construção de casas populares e instituições da administração
pública", disse à Folha.
O projeto ainda não tem previsão
de início. A migração poderá levar mais de 3.400 famílias para a parte alta. O
governo estadual e a prefeitura devem apresentar até dia 18 de março a proposta
para o governo federal, com objetivo de arrecadar recursos e receber apoio
logístico. No dia 4, os ministros Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento
Regional) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas), nascida no
Acre, participaram de uma visita técnica em Brasileia.
O município de 26 mil habitantes
foi um dos mais afetados pela cheia do rio, que anualmente registra enchentes
no período de inverno em diversas áreas do estado. Brasileia fica na fronteira
com a Bolívia, a 232,4 km de distância da capital Rio Branco. Possui cerca de
24 mil habitantes, sendo mais de 3.000 estudantes de diversos estados do
Brasil, que se mudam para o município para estudar em universidades bolivianas.
A cheia do rio em 2024 levou 19
dos 22 municípios do Acre a entrarem em estado de emergência. Entre os mais
afetados estão Brasileia, Assis Brasil, Marechal Thaumaturgo, Santa Rosa do
Purus e Jordão - sendo as duas últimas com 80% e 70% das populações totais
compostas por povos indígenas, respectivamente, que ficaram isolados. Três
pessoas morreram por afogamento em decorrência da enchente e, ao todo, mais de
120 pessoas foram prejudicadas.
Para o governador do estado,
Gladson Cameli (Progressistas), o incidente está associado diretamente às
mudanças climáticas. O gestor destaca que as Defesas Civis nacional, estadual e
municipal anteciparam as ações preventivas, como a construção de abrigos e
distribuição de alimentos e produtos de limpeza e higiene pessoal, o que
minimizou danos em diversos municípios.
"Se deixamos Brasileia no
mesmo local, em um ano teremos o mesmo problema. Nenhuma estrutura terá
autorização para ser construída na parte baixa. Estamos desenvolvendo, junto as
prefeituras e governo federal, um trabalho emergencial de médio e longo prazo.
Até maio, ainda temos previsão de fortes chuvas", afirmou Cameli.
O governador declarou, ainda,
que não consegue acessar linhas de créditos, como do programa Minha Casa, Minha
vida, devido problemas de regularização fundiária, pois 80% da população do
Acre vive em terras da União.
Aldeias da região ficam
submersas
A enchente no Acre também causou
devastação em diversas comunidades indígenas da região, como as localizadas na
Terra Indígena de Rio Jordão, que possui mais de 40 aldeias. Muitas delas já
enfrentavam dificuldade no acesso e, agora, ficaram totalmente isoladas, o que
impede até a chegada de ajuda humanitária.
Segundo a artista plástica
indígena Rita Hunikui, a única ajuda que chegou à aldeia Chico Curumin, onde
ela mora e estão 30 famílias (cerca de 150 pessoas), foi a distribuição de
cestas básicas, o que não é o suficiente para minimizar a situação. Ela relatou
que, além das perdas de casas, plantações e embarcações, os indígenas sofrem
com doenças e a falta de água potável.
"Aos poucos estamos
retornando para nossas casas para fazer a limpeza e tentar resgatar algumas
coisas. Muitas famílias indígenas perderam tudo o que batalharam para ter.
Agora, após a enchente, estamos sofrendo com diversas doenças, como diarreia, febre
e vomito. Também estamos sofrendo com a falta de abastecimento de água em
diversos locais no Jordão", relata.