Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil


O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer usar os ganhos de arrecadação no começo de 2024 para empurrar a discussão sobre eventual mudança na meta fiscal para o segundo semestre deste ano.
 

O objetivo central da estratégia é garantir um ambiente propício para que o Banco Central continue cortando a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 11,25% ao ano. A equipe econômica considera ideal ter ao menos três reduções adicionais de 0,5 ponto percentual cada uma, nas reuniões de março, maio e junho do Copom (Comitê de Política Monetária).
 

O foco do governo, segundo interlocutores, é "dar um sinal fiscal mais forte" para que a Selic volte a um dígito pela primeira vez desde fevereiro de 2022. Flexibilizar o alvo da política fiscal antes do relatório bimestral de julho poderia abortar o processo e fazer com que a Selic estacione em patamar mais elevado.
 

O Banco Central já transmitiu, em mais de uma ocasião, a mensagem de que é importante o governo perseverar na busca pelo déficit zero, embora diga que não há relação mecânica entre o quadro fiscal e a decisão sobre os juros.
 

O plano de adiar o debate sobre a meta, porém, tem riscos políticos. Em um cenário de frustração de receitas, o envio tardio do projeto de lei para flexibilizá-la tende a encontrar um Congresso Nacional já esvaziado pelas eleições municipais. Para conseguir a aprovação célere de um texto do governo, só em caso de acordo prévio, pontuam parlamentares.
 

Sem aval do Legislativo, a equipe econômica continuaria na obrigação de perseguir o déficit zero e implementar contingenciamentos bilionários em caso de frustração de receitas, já que o simples envio da proposta não é salvo-conduto para afrouxar os gastos.
 

Além disso, a cúpula do Congresso pressiona o governo a resolver o impasse em torno dos R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão que foram vetadas pelo presidente, para dar lugar a despesas do próprio Executivo com políticas como Auxílio Gás e Farmácia Popular.
 

Como mostrou a Folha de S. Paulo, integrantes do governo entraram em campo para convencer os congressistas a aguardarem até o final de março, quando sai o primeiro relatório de avaliação do Orçamento, para ter uma posição mais clara sobre a possibilidade de repor o dinheiro das emendas.
 

Segundo interlocutores, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou concordância com o pedido, mas tem feito pressão para que a questão seja resolvida até o início de abril.
 

Os parlamentares têm urgência em recompor as verbas para conseguir iniciar o processo de execução das despesas antes do período eleitoral, quando há restrições à assinatura de novos convênios. Viabilizar esses instrumentos é visto como algo prioritário pelos congressistas para assegurar o envio de dinheiro a seus redutos em ano de disputas locais.
 

Também está no radar o risco de acirramento nas mobilizações de servidores, pressionando o Executivo a arranjar verba para conceder reajustes.
 

Para sanar esses problemas, o governo conta com a possibilidade de abrir um crédito adicional de cerca de R$ 16 bilhões no relatório de avaliação de maio, graças a uma regra especial válida em 2024 aprovada no novo arcabouço fiscal.
 

O dispositivo permite ao Executivo elevar suas despesas para alcançar a expansão real máxima de 2,5% autorizada pela regra do arcabouço (hoje, o Orçamento aprovado contempla uma correção de 1,7% acima da inflação).
 

Para isso, a reavaliação bimestral de maio precisa indicar um aumento na arrecadação de pelo menos 3,6% acima da inflação neste ano em relação a 2023 --o que deve ser alcançado mesmo que o governo reconheça frustração de receitas.
 

O problema é que há um entendimento de que o crédito só pode ser usado se o saldo entre receitas e despesas estiver dentro da margem de tolerância da meta fiscal, que permite um déficit de até R$ 29 bilhões sem necessidade de bloquear recursos.
 

Com arrecadação menor e gasto maior, a flexibilização da meta já em maio poderia ser necessária para destravar o uso do crédito adicional.
 

Técnicos experientes ponderam que, mesmo que a revisão do alvo da política fiscal ocorra no fim de maio, o risco da demora na votação permanece.
 

Parlamentares já estarão envolvidos nas negociações políticas que antecedem as convenções partidárias, que a partir de 20 de julho vão deliberar sobre coligações e indicar seus candidatos.
 

No ano passado, mesmo sem eleições, o Congresso realizou apenas sete sessões conjuntas, três delas no mês de dezembro. O número é considerado baixo e é visto como um indicativo ruim da atividade legislativa neste ano.
 

Interlocutores do governo reconhecem que empurrar a mudança da meta para o segundo semestre pode se transformar em um desafio "dificílimo". Mas o discurso atual é o de que ainda é prematuro debater se a flexibilização será de fato necessária.
 

De um lado, há receitas significativas que ainda são incertas, como os R$ 34,5 bilhões esperados com a repactuação de contratos de ferrovias.
 

Mas a aposta do Executivo é que a retomada de investimentos ajudará na reativação da economia após o segundo semestre de 2023 de estagnação. Se isso acontecer, poderia ajudar na arrecadação e reduzir eventual necessidade de contingenciar despesas ou mexer na meta.
 

Outra medida que pode colaborar é a criação de um limite para o uso de créditos judiciais pelas empresas no abatimento de tributos. Valores preliminares citados nos bastidores vão de R$ 20 bilhões a R$ 60 bilhões, mas os números ainda estão sendo refinados pela equipe técnica.
 

Por isso, o primeiro relatório bimestral, programado para 22 de março, é considerado como um importante sinalizador da tendência para os meses seguintes.