Violência doméstica Crédito: Agência Brasil
Dos 411 assassinatos de mulheres registrados na Bahia em 2022, 65% (266
casos) aconteceram por uso de arma de fogo. O número é maior que a média
nacional, que aponta que 50% dos homicídios de mulheres no Brasil ocorreram por
uso desse meio, naquele ano. As informações são da pesquisa O Papel da Arma de
Fogo na Violência Contra a Mulher, realizada pelo Instituto Sou da Paz, com
dados retirados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema
de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambas importantes bases de
dados do Ministério da Saúde. O estudo foi divulgado nesta sexta-feira (8).
A escolha da arma de fogo como método para matar ocorre, sobretudo, pela
disponibilidade de armamento em território nacional. Segundo o estudo, após
mudanças feitas na legislação pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, houve aumento
exponencial do volume de armas em circulação no país. Além disso, a alta
letalidade provocada é outro fator que justifica a preferência desse
instrumento por parte do criminoso, conforme afirma Cristina Neme, coordenadora
de projetos do Instituto Sou da Paz e responsável pela pesquisa.
“A arma de fogo tem uma chance alta de provocar a morte da vítima,
diferente de uma briga ou uma força física. [...] Nós temos altos níveis de
violência e, com a facilidade de acessar armas de fogo, acaba-se tendo esses
instrumentos prevalentes. Quando há aumento de homicídios e conflitos armados
de homens, também tende a aumentar os casos que têm as mulheres como vítimas.
Mas, diferentemente dos homens, as mulheres são mais vítimas da violência
doméstica baseado em gênero. E, nesse caso, a arma de fogo também é um
instrumento importante para praticar esse tipo de violência e resultar em
morte”, diz Cristina Neme.
Considerando a incidência dos casos em taxa por 100 mil mulheres, a
Bahia tem a terceira maior taxa de homicídios femininos por arma de fogo do
país, com 3,6. O estado fica atrás apenas do Ceará e Roraima, que têm taxas de
4,3 e 3,9, respectivamente.
O cenário da violência contra a mulher na Bahia tem fatores combinados.
Professora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da
Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM – Ufba) e integrada ao Observatório de
Feminicídios, Vanessa Cavalcanti, aponta a existência de violências sobrepostas
para explicar o ódio às mulheres que motivam os crimes contra a vida delas,
tendo como grande pano de fundo a cultura patriarcal, que se expressa de
maneira histórica e processual, valendo-se da desproteção institucional e
social.
Para a especialista, nos últimos anos ainda houve um deslocamento da
violência que traduz o ódio de gênero junto a outros marcadores sociais, como
raça e religião. “Temos um fenômeno que destacava a região sudeste como polo
central de assassinato de mulheres, com destaque ao estado do Espírito Santo.
Entretanto, houve também deslocamento de ‘zonas de trânsito’ e a Bahia, já no
período pandêmico, anunciava dados vinculados a intolerâncias religiosas e
racismo. Tal processo revela interseccionalidade e interfaces de vários fatores
para explicar e descrever que quanto maior a violência armada, mais alguns
grupos são os alvos. É o caso de jovens, negros, LGBTQIA+ e mulheres”, afirma.
A escalada da violência contra mulher é vista por Vanessa Cavalcanti
como reflexo de uma ‘onda machista’ e da política de flexibilização de armas
entre 2019 e 2022, assim como intolerâncias físicas, étnico-raciais e contra
identidades de gêneros. “Intolerâncias múltiplas ampliam uma cultura de ‘tudo
pode’ e de dominação de corpos, especialmente os femininos, negros, LGBTQIA+.
As violências de gênero se agravam quanto maior a ideia de impunidade, e o
resultado de armamento e de polaridades apresenta sinais rápidos na
letalidade”, analisa.
A nível nacional, os maiores algozes que vitimam mulheres são pessoas
próximas, mais especificamente companheiros íntimos que, seja por controle,
ideia de posse ou ciúme, se revelam feminicidas. No dia 12 de dezembro de 2022,
Madai Santos São Bernardo, de 28 anos, foi uma das vítimas fatais de um deles.
Ela, que estava tentando terminar o namoro com o suspeito, com quem tinha um
relacionamento turbulento e já teria recebido ameaças, foi morta a tiros
disparados por ele enquanto estava dentro de casa, no bairro de Cosme de
Farias, em Salvador.
Nem sempre, contudo, a proximidade é uma regra. Outras razões além do
ódio de gênero motivam a morte de mulheres vistas como ameaças. Esse foi o caso
da líder quilombola Mãe Bernadete, que foi assassinada em Simões Filho na noite
do dia 17 de agosto de 2023. Segundo testemunhas, bandidos armados invadiram o
terreiro, amarraram pessoas e executaram a tiros Maria Bernadete Pacífico.
Conforme apurado pelo CORREIO em novembro do ano passado, um
desentendimento com Mãe Bernadete levou Sérgio Ferreira de Jesus, 45 anos,
morador do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, a mandar áudios aos
traficantes de drogas da região, instigando para que eles executassem a líder
quilombola. Segundo a Polícia Civil, ele praticava extração ilegal de madeira
no território quilombola e teve uma discussão com a líder quilombola.