Foto: Adriano
Vizoni / Folhapress
Nove em cada dez
municípios brasileiros têm menos de um psicólogo e psicanalista no SUS a cada
mil habitantes. A falta de profissionais restringe o acesso ao atendimento
psicológico e ocorre apesar do aumento de transtornos, o que pode agravar o
sofrimento mental da população.
O Brasil tem
cerca de 439 mil psicólogos, segundo o CFP (Conselho Federal de Psicologia), o
que resulta na média de 2 profissionais a cada 1.000 habitantes. Na rede
pública, Iaras (SP) e Olaria (MG) são as únicas cidades a alcançar essa taxa.
São 5.050 cidades
com cifra abaixo de 1. Os dados apontam que não há registros oficiais da
presença de psicólogos na rede pública em pelo menos 400 cidades.
Em nível
nacional, a média de psicólogos na rede pública a cada mil habitantes cai para
0,18. Na Inglaterra, cujo sistema público de saúde inspirou o SUS, a taxa é de
0,52, segundo dados de 2023 do Serviço Nacional de Saúde.
As informações
são do Instituto República.org, dedicado a aprimorar a gestão de pessoas no
serviço público brasileiro, com base em dados de janeiro de 2021 do Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde.
A distribuição de
Caps (Centros de Atenção Psicossocial) também é baixa nos estados. Dezesseis
têm média de centros abaixo da nacional, e sete têm menos de um Caps a cada 100
mil habitantes, segundo dados de 2022 do Ministério da Saúde.
A pasta afirma
que aumentou em 27% o orçamento da rede de assistência à saúde mental no SUS em
comparação ao ano passado, chegando a R$ 200 milhões. No próximo ano, o
investimento será de R$ 414 milhões.
Só os mais ricos
tinham acesso a psicólogos quando a profissão foi regulamentada no Brasil, em
1962. Segundo Pedro Paulo Bicalho, presidente do conselho de psicólogos, isso
ocorria porque o atendimento em consultório privado era o único modelo de
atuação.
"Era uma
psicologia elitista, de escutar os problemas de quem podia pagar", afirma.
A introdução da
área às políticas públicas ocorreu ao longo dos anos 1980, com os avanços do
movimento antimanicomial. Em 2001, a reforma psiquiátrica mudou a forma de
tratar pessoas com transtornos mentais, dando início ao fechamento de hospícios
e, mais tarde, levando à criação dos Caps.
A Raps (Rede de
Atenção Psicossocial) foi instituída em 2011, englobando os Caps, as UBS
(Unidades Básicas de Saúde) e outros pontos de atenção à saúde mental.
Mas o reduzido
número de psicólogos persiste por diversos fatores, incluindo remuneração e
estrutura profissional, segundo Mariana Rae, coordenadora de projetos do
Instituto Cactus, organização dedicada à saúde mental.
Muitas vezes,
faltam condições de trabalho, como plano salarial, de carreira e mecanismos para
o psicólogo se desenvolver. Esses mecanismos incluem suporte emocional, uma vez
que o processo terapêutico é longo e exige uma dedicação extensiva.
"Não é uma
coisa pontual, em que uma sessão resolve o problema da pessoa, e isso também
diminui a disponibilidade para atender mais gente", diz Rae.
Hoje, quem deseja
uma consulta com psicólogo deve ir a uma UBS relatar seu caso ao clínico geral,
responsável pelo encaminhamento.
O número de
pessoas que conseguem ser atendidas na psicologia é restrito, devido à alta
demanda e ao quadro reduzido de profissionais. Assim, quem tem acesso está, em
geral, em um estágio mais avançado do problema.
"A gente
espera a pessoa adoecer muito gravemente para começar a oferecer esse serviço,
quando precisávamos dar o cuidado enquanto ela ainda tem autonomia e consegue
sair de casa", diz o presidente do CFP.
Mesmo quando o
paciente é encaminhado, a fila para ser atendido costuma ser longa. No Rio, por
exemplo, o tempo médio de espera para consulta com psicólogo é de três meses e
meio, segundo dados deste ano do Sistema de Regulação da cidade.
Larissa Weber é
psicóloga em uma clínica do Caps em Guaíba (RS), na região metropolitana de
Porto Alegre. Na unidade, a equipe discute sobre a possibilidade de atender
quem não foi encaminhado por um médico da UBS e está em estágio menos grave.
Ela diz que o
centro oferece atendimento de acordo com o caso, considerando fatores como a
rede de apoio e as condições socioeconômicas do paciente.
"Há uma
lacuna de pessoas que se beneficiariam de um atendimento psicológico, mas não
conseguem ter acesso. O paciente até pergunta: 'Então tenho que piorar para ser
atendido?'", afirma.
Segundo Larissa,
a cidade passou a ter psicólogos em alguns ambulatórios para casos mais
brandos, o que pode ampliar o acesso. "Depende do município ter esse
entendimento de colocar o psicólogo como prioridade", diz.
Os Caps cuidam
mais dos casos graves, quando a doença afeta a autonomia. Isso inclui, por
exemplo, o paciente que não consegue levantar da cama por ter uma depressão
severa. Quem sofre com abuso de álcool ou drogas também é atendido.
No centro, o
paciente tem acesso a consultas individuais, participa de grupos terapêuticos e
é acompanhado por outros profissionais de saúde, incluindo psiquiatras.
Apesar dos
benefícios, os Caps ainda são mal distribuídos pelo país, segundo Caroline
Ballan, pesquisadora de políticas públicas de saúde mental no Instituto de
Estudos Avançados da USP.
A regra é que, em
cidades com 20 mil habitantes, deve haver pelo menos um centro de atendimento.
Mas, na prática, muitos municípios carecem dessas estruturas.
O quadro se
reflete na distribuição dos centros por estado. A média de Caps por 100 mil
habitantes em São Paulo (0,99), no Distrito Federal (0,42) e no Rio de Janeiro
(0,88) é menor do que a nacional (1,33), segundo dados de 2022 do Ministério da
Saúde.
"Estamos
muito longe do número ideal, então não temos cobertura. Isso mostra a
precariedade do atendimento quando chega na ponta", afirma Ballan.
CAPACITAÇÃO DE
PROFISSIONAIS PODE SER SOLUÇÃO
Em geral,
profissionais da UBS são os primeiros a atender pacientes com transtornos. Por
isso, os especialistas defendem que uma capacitação sobre saúde mental pode
melhorar o acolhimento.
Segundo Mariana
Rae, do Instituto Cactus, os agentes comunitários, por exemplo, podem exercer o
papel de escuta e facilitar o encaminhamento para os profissionais
especializados.
Ela cita o caso
do Banco da Amizade, um projeto do Zimbábue que reúne pessoas de comunidades
locais para atender pacientes com algum sofrimento mental. Rae diz que a taxa
de sucesso é alta, com melhora do quadro de psicopatologias.
"Mas não é
uma forma de dizer que a gente não necessita de um especialista. Pelo
contrário: ao fazer isso, dedicamos esse profissional para aqueles casos que
realmente precisam."
Em nota, o
Ministério da Saúde afirma que o atendimento em saúde mental tem caráter
multidisciplinar. Segundo a pasta, a atenção primária realizou 10,9 milhões de
atendimentos em saúde mental no primeiro semestre, e 28 Caps foram habilitados.
O ministério diz que, embora financie programas, estados e municípios
estabelecem suas prioridades.
CONHEÇA LOCAIS
COM MENORES TAXAS DE PSICÓLOGOS E DE CAPS
Cidades com
menores cifras de psicólogos por mil habitantes se concentram no Norte e no
Nordeste; mais da metade está no Pará
Portel (PA):
0,014
Acará (PA): 0,015
Muaná (PA): 0,016
Monte Alegre
(PA): 0,016
Tutóia (MA):
0,018
São Bento do Una
(PE): 0,020
Brejo da Madre de
Deus (PE): 0,020
São Mateus do Sul
(PR): 0,022
Pacajá (PA):
0,022
Nossa Senhora da
Glória (PA): 0,024
Caps têm menor
concentração em estados do Norte, Sudeste e Centro-Oeste do país; Nordeste
lidera a lista com maior número de centros
Distrito Federal:
0,42
Amapá: 0,57
Amazonas: 0,59
Espírito Santo:
0,8
Acre: 0,88
Rio de Janeiro:
0,97
São Paulo: 0,99
Pará: 1,07
Goiás: 1,12
Mato Grosso do
Sul: 1,13