Foto: Cláudia Cardozo / Bahia Notícias
Os últimos dez anos foram trágicos em termos de
renda e qualidade de empregos para os brasileiros que se esforçaram para
estudar mais, terminar o ensino médio ou ingressar na faculdade. No conjunto
dos trabalhadores, foram os que mais perderam.
Jovens e adultos que estudaram de 12 a 16 anos (ou
mais) tiveram perda de renda mais acentuada que os menos escolarizados. Houve
ainda abrupto aumento da informalidade entre eles, que atingiu também pessoas
que estudaram de 9 a 11 anos.
A conclusão é de pesquisa do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) com base em dados do IBGE, da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC).
Os resultados revelam uma economia que cria
predominantemente empregos de baixa qualidade e pouco produtivos. Isso empurra
os mais escolarizados para vagas que pagam menos e que são, cada vez mais,
informais —comprometendo o crescimento potencial do país.
No geral, despencou também a vantagem, em termos de
rendimentos do trabalho, de quem estudou mais de 16 anos em relação aos
brasileiros que passaram menos de um ano na escola.
Em 2012, o retorno positivo da educação na renda
nessa comparação chegava a 641%. No segundo trimestre deste ano, o prêmio era
de apenas 353%. Entre os que tinham de 12 a 15 anos de estudo (comparados aos
com menos de um ano), o percentual caiu de 193% para 102%.
Nos mesmos dez anos (2012-2023), o rendimento médio
dos que estudaram entre 12 e 15 anos recuou -11,2%. Para aqueles que estudaram
16 anos ou mais, o tombo foi ainda maior: -16,7%.
"O ensino superior está dando menos retorno no
Brasil; uma novidade muito ruim. É um claro indicador de uma economia pouco
dinâmica, com empresas pouco ativas, e com outras mais produtivas que não
crescem", afirma Fernando Veloso, um dos autores do trabalho.
"Como essas empresas não evoluem por todas as
mazelas que conhecemos —sistema tributário, infraestrutura, economia fechada—,
o pessoal chega ao ensino superior, mas ou não tem trabalho ou o salário que
esperava."
Além do ambiente de negócios em geral ruim, os
pesquisadores afirmam que o desequilíbrio nas contas públicas é um dos
principais fatores a empurrar os mais escolarizados para empregos de baixa
qualidade.
Nos últimos oito anos, a relação entre a dívida
bruta do país e o PIB (principal indicador de solvência) saltou 17 pontos, para
74,1%. Deficitário, o governo federal precisa pagar juros altos para se
financiar, levando empresas e consumidores a se retrair.
Há poucos dias, o presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, afirmou que incertezas sobre o compromisso do governo com
a consolidação fiscal elevaram o juro de equilíbrio (capaz de manter os preços
estáveis) de 3% para 4,5% ao ano —o que desestimula investimentos produtivos.
No início da década passada, a taxa de
investimentos como proporção do PIB era de 19,3%. Hoje, é de 17,2%.
"É aquela história do engenheiro formado
dirigindo Uber. Porque gerar um emprego para um engenheiro requer investimentos
de muitos milhares de reais. O cara dirigindo Uber custa R$ 2.000 por mês na
Localiza [onde aluga o veículo]. Assim, ele gera sua renda, o que é sinal de
falta de dinamismo da economia", diz Fernando de Holanda Barbosa, outro
dos autores.
É o caso do paulistano Fernando Siqueira, 39,
formado em curso superior de Gestão da Tecnologia da Informação. Após se
graduar em 2019, passou a trabalhar formalizado em uma empresa na área que
pagava R$ 2.100 ao mês.
Depois, foi para uma terceirizada, recebendo R$
3.400. Por fim, resolveu neste ano abandonar o setor e migrar para a Uber,
ganhando R$ 6.000 líquidos ao mês (com um dia de folga na semana e um domingo a
cada dois finais de semana).
"Tenho outros amigos com ensino superior nessa
mesma situação", afirma.
Siqueira é exceção. Apesar de ter caído na informalidade,
conseguiu aumentar seus rendimentos nos últimos dez anos. Na média, segundo o
Ibre-FGV, a renda dos trabalhadores (formais e informais) com 16 anos ou mais
de estudo caiu, entre 2012 e 2023, de R$ 7.211 para R$ 6.008, em valores
corrigidos pela inflação.
Nesta mesma faixa superior de instrução, a
informalidade dobrou entre 2015 (início da crise gerada ao final do governo
Dilma Rousseff) e 2023: passou de 1,9 milhão de trabalhadores para 4,1 milhões.
Os informais em relação ao total de ocupados com este nível de escolaridade
aumentaram de 14% para 19,5% (+5,5 pontos percentuais)
Para aqueles com 12 a 15 anos de estudo, o
rendimento médio (formal e informal) também caiu de 2012 a 2023, de R$ 2.630
para R$ 2.336. O total de informais nesta faixa subiu de 10 milhões para 14,9
milhões. Entre eles, a taxa de informalidade saltou 6,6 pontos, de 27% para
33,6%.
De 2012 a 2023, a renda do trabalho só aumentou
para os menos escolarizados. Entre os que não chegaram a completar um ano de
estudo, os rendimentos subiram 27,5%. Para eles, houve leve queda na taxa de
informalidade, de 75,2% para 72,5%.
A maior parte do ganho deste segmento, no entanto,
ocorreu a partir do começo de 2020, com a chegada da pandemia. Uma das
explicações é que, com o isolamento social, houve valorização da mão de obra
menos qualificada disposta a trabalhar naquele período.
Um atenuante nessas conclusões, segundo a equipe de
pesquisadores (que inclui Janaína Feijó e Paulo Peruchetti) é que a proporção
da população ocupada com mais de 12 anos de estudo passou de 49,8% para 66,5%
de 2012 a 2023, tornando-se menos escassa. Isso aumentaria a concorrência entre
os mais escolarizados, diminuindo salários.
"Mas, mesmo com o aumento da oferta [de
pessoas mais educadas], o retorno da educação no mercado de trabalho não
deveria estar caindo nessa magnitude", diz Veloso.
Na quinta (31), o IBGE anunciou que a taxa média de
desemprego no trimestre encerrado em julho cedeu para 7,9%, a menor desde
trimestre equivalente em 2014 (7%). Na sexta (1º), após resultado do PIB do
segundo trimestre acima do esperado (+0,9% ante trimestre anterior),
consultorias passaram a estimar o crescimento neste ano em 3%, com mais
empregos.
"As pessoas olham o mercado de trabalho e
acham que está bombando. Mas ainda não atingimos os rendimentos do
pré-pandemia. Estamos gerando empregos ruins, que pagam pouco. Agora, essa
novidade. Ela pega os com maior escolaridade, justamente os que pareciam mais
protegidos", afirma Veloso.