O Parlamento de Portugal aprovou na tarde desta quinta-feira (21) um pacote de medidas que ampliam e facilitam a concessão de vistos de trabalho para cidadãos dos países da CPLP (Comunidades dos Países de Língua Portuguesa), o que inclui o Brasil.
Para brasileiros, a principal mudança é a criação de um visto especial para quem busca emprego. A permissão garante prazo de 120 dias, prorrogável por mais 60, para que estrangeiros sejam contratados.
Caso os imigrantes não consigam um emprego dentro do prazo estabelecido, são obrigados a abandonar o país e só podem realizar um novo pedido depois de um ano do fim da validade do visto anterior.
Além da verificação de antecedentes criminais, será preciso comprovar meios de subsistência em Portugal --valores serão definidos em portaria posterior. É obrigatória, ainda, a apresentação de uma passagem que assegure o retorno.
Outra novidade é a criação de um visto voltado para nômades digitais e profissionais que trabalhem remotamente para outros países --nestes casos, a autorização também exigirá comprovação de rendimentos mínimos obtidos fora de Portugal.
As medidas também facilitarão a vida dos imigrantes com mecanismos como a garantia de atribuição provisória de números de identificação fiscal (similar ao CPF), de Segurança Social e de registro no Sistema Nacional de Saúde. Conhecidos como "números mágicos", uma vez que são essenciais para o pleno gozo de direitos e deveres, esses registros muitas vezes eram de acesso dificultado para estrangeiros.
O projeto, proposto pelo governo do premiê socialista António Costa, que tem maioria absoluta no Parlamento, tramitou com velocidade pouco habitual. A proposta foi anunciada há pouco mais de um mês, após aprovação em Conselho de Ministros.
A rapidez possivelmente está relacionada à escassez de mão de obra no país, sobretudo para posições no setor do turismo e serviços. Em muitas situações, os baixos salários para essas posições são pouco atraentes para os próprios portugueses.
Na apresentação do projeto aos deputados, a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, reforçou a importância dos imigrantes, afirmando que as mudanças vão "garantir a redinamização da economia com mais mão de obra em Portugal".
Deputada pelo maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata, de centro-direita), a deputada Sara Madruga da Costa ressaltou a importância do tema, mas disse lamentar "a forma apressada com que o governo pretende discutir um assunto sério". A parlamentar também criticou o que considera como falta de participação de associações de migrantes e outras entidades.
Houve momentos de tensão. Líder do partido de direita radical Chega, o deputado André Ventura acusou o governo do Partido Socialista de "querer sustentar com subsídios os que vêm de fora", enquanto não garantiria condições dignas aos próprios cidadãos do país.
Após diversas críticas de Ventura, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, rebateu as afirmações. "Portugal deve muito aos muitos milhares de imigrantes que aqui trabalham; somos um país aberto, inclusivo e que respeita os outros", afirmou, arrancando aplausos de deputados de todos os espectros políticos.
Pouco depois, os onze deputados da bancada do partido de direita radical abandonaram o Parlamento em protesto contra a atuação de Santos Silva. Com a ausência da bancada do Chega, o projeto foi aprovado sem votos contrários. Votaram a favor o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o PCP (Partido Comunista Português) e o deputado único do Livre. Os parlamentares do PSD, da Iniciativa Liberal e do Pan (Pessoas-Animal-Natureza) se abstiveram.
O texto vai agora para sanção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. As alterações passam a valer após publicação no Diário da República, o Diário Oficial luso.
A votação no Parlamento foi acompanhada ao vivo por muitos brasileiros nas redes sociais. Desde que foi anunciado, o novo pacote de vistos portugueses era esperado com ansiedade entre os interessados em mudar para Portugal. Além de Brasil e Portugal, a CPLP também inclui os africanos Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe, e o asiático Timor Leste.
"Percebemos um aumento brutal das pessoas que antes aventavam a possibilidade de mudar para Portugal, mas não eram elegíveis a nenhum tipo de visto. O que antes era uma ideia de um dia talvez morar fora, agora se torna, de fato, uma possibilidade real para milhares de famílias brasileiras", diz a empresária Patrícia Lemos, sócia da assessoria Vou Mudar para Portugal.
Os novos vistos pretendem dar mais segurança jurídica e social à principal rota migratória para o país: a regularização através da inserção no mercado de trabalho. Embora Portugal permita a regularização de quem chega ao país como turista e começa a trabalhar de forma irregular, o processo é longo e burocrático.
Além da possibilidade de pagamento de multa devido ao tempo de permanência indevida, os migrantes sem documentos estão mais vulneráveis a todo tipo de exploração. Devido à sobrecarga atual do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), responsável pela imigração, os processos têm levado entre dois ou três anos para serem concluídos.
Professor da Universidade de Coimbra, o demógrafo Pedro Góis considera que os novos vistos são uma medida bastante positiva para o país, mas chama a atenção para a necessidade de garantir um processo ágil e efetivo. "Não podemos transferir a burocracia do SEF para os consulados de Portugal no Brasil, que já têm escassez de pessoas."
O demógrafo afirma que Portugal tem muito a ganhar com a chegada dos estrangeiros e a facilitação da circulação de pessoas. Segundo Góis, o país europeu também se beneficiará com a concretização da ação da CPLP, que passará a "ser vista como algo real para os cidadãos de todos os seus países".
As mudanças na legislação portuguesa aconteceram no âmbito do acordo de mobilidade entre os integrantes do bloco, que foi aprovado em julho de 2021 em reunião em Luanda. Cada nação da comunidade lusófona tem liberdade para formular suas próprias regras.
O acordo já foi ratificado pelo Congresso brasileiro, mas ainda não houve aprovação de leis referentes à migração entre os cidadãos oriundos dos países-membros.