Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 05 de Maio de 2022
A pandemia trouxe problemas que perpassam questões unicamente sanitárias. O isolamento social, tão necessário durante os períodos mais drásticos da crise do coronavírus, marcou o ano de 2021 com o recorde de 80.573 divórcios no país. O dado é do Colégio Notarial do Brasil, entidade que congrega os tabeliães de notas de todos os estados.
Na Bahia, os Cartórios de Notas (CNB-BA) registraram, no ano passado, 2.513 divórcios — um crescimento de 16% em relação a 2020, quando 2.170 casais deram entrada nos documentos pedindo a separação. O resultado consagrou o estado em décimo lugar no ranking de divórcios do país. São Paulo, Paraná e Minas lideram a lista. A dona de casa Rosana Silva, 51, faz parte das estatísticas. Em junho de 2021, quando passou a conviver mais próxima do marido, decretou o fim do seu casamento. O motivo soa até irônico.
Foi justamente neste momento que sentiu uma maior solidão. “Eu perdi a liberdade de sair. Tive que ficar em casa e ele também ficou muito em casa. Então, às vezes, a gente não se tolerava: eu falava uma coisa, ele entendia outra. Não tinha aquela cumplicidade de um conversar com o outro. Eu gosto de filme, ele de jornal. Eu assistia o jornal com ele, mas ele não assistia os filmes que eu gostava”, relembra.
A mudança nos hábitos, incentivada pela dificuldade do momento, também contribuiu com a separação, revela Rosana. “Antes, ele bebia somente aos domingos, mas ele começou a beber de segunda a segunda porque não tinha para onde ir, não tinha o que fazer. Comprava bebidas, cerveja, whisky, vinho… Então, foi se desgastando, porque você começa a ver o dinheiro sendo gasto em coisas fúteis... Aquilo me deixava frustrada”, lamenta.
A psicóloga Daniele Brandão vê uma “nítida influência” da pandemia no término das relações amorosas, por uma série de questões próprias deste período. “O mais nítido é a proximidade. Muitos casais usavam a distância física — seja no trabalho, estar com amigos — para fugir dos problemas em casa. Então, toda a poeira que foi jogada para debaixo do tapete, o coronavírus levantou. Também contribuiu o medo generalizado. Estava todo mundo querendo acolhimento, suporte do outro, só que o outro também precisava disso, então foi frustrante para muita gente”, considera a profissional, que ainda lista a excessiva relação com a tecnologia e a exaustão de tarefas domésticas como outros motivos fundamentais.
TRIBUNAIS
O aumento de divórcios nos últimos dois anos foi notado por profissionais que atuam diretamente nesta área. Segundo a advogada Nadialice Francischini, especializada em assuntos de família, a maior parte dos rompimentos foi traumática.
“Quando é uma coisa que se desgasta com o tempo, é mais fácil. Mas um rompimento por brigas, como foi a maioria dos casos na pandemia, é bastante traumático”.
O presidente do CNB-BA, Giovani Gianellini, também percebeu a pandemia como um fator que contribuiu para o crescimento dos registros. “Com a pandemia, as pessoas não estavam conseguindo resolver algumas questões particulares, o que explica o aumento de atos no ano seguinte”, avalia.
CONTRAPONTO
Advogada conheceu marido, casou e teve filho na pandemia
“Todo mundo separando, eu casei”, conta, entre risadas, a advogada Carolina Araújo, 36. Durante a pandemia, ela conheceu o atual marido, casou-se, engravidou e até já teve seu filho.
A intensidade da convivência exagerada trouxe, no seu caso, bons frutos. Solteira, Carolina resolveu baixar um aplicativo de namoro quando começou o isolamento. A partir dele, selou seu novo destino. No início, ela conta que eram apenas conversas, mas que, no intervalo entre ondas da Covid-19 e com a reabertura de bares e restaurantes em Salvador, em setembro de 2020, resolveu dar uma chance para o encontro presencial.
A partir daí, os dois não se desgrudaram mais. No retorno do isolamento, em fevereiro de 2021, eles resolveram ‘quarentenar’ juntos. Um mês depois, decidiram se mudar para o mesmo apartamento. E, em setembro do ano passado, um ano após terem se conhecido, se casaram, já à espera de um filho.
“A pandemia influenciou bastante: não tinham eventos, shows, nada, e os nossos amigos também estavam isolados, então a gente acabou ficando muito próximo. Tínhamos projetos de trabalho parecidos, queríamos ter filhos, em uma fase mais caseira… então bateu muito certo. E a pandemia, com certeza, ajudou muito a tornar tudo muito mais intenso. Se não fosse isso, talvez a gente demorasse a ter um segundo, terceiro, quarto encontro. E tem essa coisa da pandemia em si: é uma tragédia muito grande, então a gente passa, querendo ou não, a valorizar as coisas boas”, observa.