Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 5 de maio de 2022

Desde o mês de março até aqui muita coisa aconteceu no país. As máscaras deixaram de ser obrigatórias, um carnaval fora de época foi realizado em diversas cidades e arranjos políticos começaram a definir candidaturas em muitos estados.

Mas, enquanto isso, para quem precisa de atendimento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a vida parece ter emperrado. Isso porque, na Bahia, 70% dos médicos peritos e servidores do órgão aderiram a uma greve que completa 40 dias nesta semana. Segundo a Associação de Médicos Peritos, cerca de 22 mil perícias deixaram de ser feitas desde então no estado.

Laís Assis, de 22 anos, é uma das prejudicadas. A jovem atendente de delivery precisou ser internada por gravidez de risco em dezembro do ano passado. Em janeiro, foi informada pela empresa que deixaria de receber a licença remunerada e precisaria recorrer ao INSS, pois sua situação já se configurava como afastamento por doença. Desde então, começou uma jornada de idas à sede do órgão, sem solução.

Se já estava difícil resolver o problema, depois da greve as esperanças de Laís diminuíram ainda mais. A jovem conta que sua mãe foi às agências do INSS três vezes tentando entregar os documentos da filha e marcar a perícia. Na última ida, o órgão já tinha paralizado os atendimentos. De lá para cá, Laís já teve o bebê e está em casa, mas ainda não conseguiu receber o auxílio.

“Até agora não recebi nada. Já são mais de 5 meses de espera. É muito complicado, porque preciso do dinheiro. Ainda estou esperando para conseguir marcar de novo e solucionar, mas, sinceramente, acredito que não vai dar em nada por conta da greve mesmo”, afirma a jovem.

Quem também não conseguiu atendimento foi o auxiliar de limpeza Ricardo da Hora, de 33 anos. Ele quebrou o dedo no dia 22 de março, três dias antes do início da suspensão das atividades no órgão. Ainda assim, Ricardo conseguiu agendar a perícia quatro vezes. Em nenhuma delas chegou a ser atendido.

O auxílio por incapacidade temporária tem feito falta para Ricardo. Ele conta que está vivendo com ajuda de amigos e precisou vender uma bicicleta para conseguir pagar o aluguel. Até os gastos com o transporte para a agência do INSS estão impactando no orçamento do auxiliar.

“Hoje minha esperança é mesmo voltar para o mercado de trabalho, porque estou vendo que se for depender da greve não vou conseguir nada. É muito desrespeito com o cidadão. Você chega na porta da agência e tem muita gente na mesma situação, com horário agendado, reclamando que gastou dinheiro com transporte e mandaram voltar pra casa”, desabafa Ricardo.

De acordo com o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social no Estado da Bahia (Sindprev-BA), Edvaldo Santa Rita, os agendamentos estão sendo feitos por servidores das gerências do órgão, profissionais que não aderiram à greve. Segundo o coordenador, o sindicato está denunciando esses profissionais “por enganar a população”, já que não está havendo atendimento.

O operador de logística Ramon Moreno também teve perícia agendada durante a greve e não conseguiu atendimento. Desde março, ele se dirige às agências do órgão e volta para casa sem solução.

No próximo dia 24, o operador vai para a sua quarta tentativa e tem esperança de que até lá já consiga ser atendido. O beneficiário foi afastado por 60 dias após um diagnóstico de Síndrome de Burnout. De lá para cá, já se passaram 50 dias e ele ainda não conseguiu receber o benefício. O que seria um afastamento para cuidar da saúde mental se tornou um problema.

“Era pra tratar minha saúde, mas minha cabeça está fervendo ainda mais. A situação está difícil, são 50 dias sem dinheiro, com as contas em aberto, vivendo de doação de vizinhos, familiares e amigos de trabalho. Não sou contra a greve. Não é errado os servidores cobrarem por seus direitos, mas tem impactado demais a nossa vida”, revela o operador. O 

OUTRO LADO 
Entre as reivindicações dos servidores do INSS, está um reajuste salarial de 19,19%. O governo já sinalizou um aumento de 5% aos servidores federais, dentre eles, os profissionais do órgão de seguro social. Segundo o coordenador do Sindiprev, os servidores podem aceitar a proposta, já que seria a mesma para diversas categorias, mas não abrirão mão das outras reivindicações.

Outro pleito da categoria é a contratação de servidores. Edvaldo Santa Rita afirma que o INSS tem um déficit de cerca de mil profissionais no estado. De acordo com ele, esse cenário acabou rendendo ao órgão quase 2 milhões de processos aguardando análise. 

Apesar da greve, cerca de 30% dos servidores no estado estão em modalidade home office, prestando serviços relacionados apenas ao sistema do órgão.

Procurada pela reportagem do Jornal da Metropole, a assessoria do INSS comunicou que, cumprindo ordem da gerência nacional, o órgão não fala sobre o assunto.