Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 28 de abril de 2022

Menos de duas semanas após o fim da bandeira de escassez hídrica, as contas de energia elétrica terão os seus preços reajustados na Bahia. Ao contrário do esperado, os consumidores baianos pagarão até 21,35% a mais para manter o fornecimento de energia. Isso já a partir desta sexta.

A medida, anunciada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no último dia 19, deve afetar mais de 6,3 milhões de pessoas em todo o estado. O reajuste varia de 20,54% para consumidores de alta tensão, como indústrias e comércio, a 21,35% para clientes residenciais, considerados de baixa tensão.

A Coelba justifica o reajuste pelo valor da geração de energia e a inflação, citando também o acionamento das termelétricas durante o período de estiagem no Brasil. O encarecimento da cobrança, porém, é incompatível com o serviço prestado pela empresa de companhia elétrica. Líder de queixas no Procon em 2021, a Coelba registra, em média, oito quedas no fornecimento de luz por dia no estado. Os números são contabilizados pela Aneel. 

A companhia alega, por outro lado, que o índice que mede a frequência de interrupções, o FEC, da distribuidora em 2021 foi de 5,18. "Ou seja, na média, o consumidor baiano teve 5 quedas de energia em todo 2021. Esse foi o melhor resultado da história", diz o comunicado da empresa.

A coordenadora de recursos humanos Sandra Guerreiro, 68, conta que, na semana passada, visitou a sua filha, no Jardim Armação, onde ficou mais de 24 horas sem energia. Segundo ela, a luz acabou por volta das 22h, da quarta-feira, e só retornou cerca de 1h, da sexta. “Isso acontece três vezes na semana”.

A cada queda, novos aborrecimentos surgem. “É sempre uma loucura. Apesar do prédio ter gerador próprio, ele é usado para coisas básicas do edifício, não para dentro de casa. Então, é degelo total, tem que esvaziar geladeira… Dessa vez, queimou o ventilador e o secador de cabelo pifou. Tudo que estava na geladeira se perdeu, porque vai derretendo e não tem onde botar. É um prejuízo grande”, lamenta Sandra.

Por estes problemas, o anúncio do reajuste trouxe revolta. “Na minha casa, em Brotas, já estou pagando R$ 486. Lá, moramos eu e minha outra filha. Passamos o dia inteiro fora. Então é lógico que estamos preocupados, porque a condição da gente não acompanha isso”, diz. 

A ineficiência da Coelba também afetou diretamente o aposentado Vicente Sérgio Mannarino, de 83 anos. O idoso comprou um novo apartamento, na Rua Maranhão, no bairro da Pituba, mas não consegue se mudar porque a Coelba tem demorado mais de dez dias para ligar a energia do apartamento.

Sem eletricidade, o idoso, que faz tratamento de hemodiálise em casa, não pode ligar o equipamento que tanto necessita. “A justificativa deles era que eu tinha desistido do serviço, tiveram que abrir outro prazo”, comenta Vicente.

Na semana passada, ele recebeu um chamado sinalizando que o serviço havia sido realizado. Acreditando na informação, foi com a esposa passar a noite no novo endereço, mas ficou no escuro, usando velas para diminuir o sofrimento.

“Eles chegaram a receber uma chamada do síndico pelo perigo com as velas. Fora que são idosos e isso é um risco”, relata Antônio Machado, filho de Vicente.

ECONOMIA

A alta da energia também afeta os empreendedores, que dependem do uso de energia elétrica para fazer funcionar os seus negócios. Sócio do Bar da Resenha, com inauguração na Pituba prevista para as próximas semanas, Bruno Costa, 25, demonstra preocupação com o aumento da tarifa. “Isso atrapalha muito, principalmente neste momento em que estamos começando um negócio, porque todo o nosso cálculo de viabilidade financeira partiu de parâmetros atuais. Uma mudança dessas, afetando ainda a cadeia de insumos em vários sentidos, impacta na nossa viabilidade”, expõe.

Costa explica que os sócios estão preparando algumas alternativas para economizar, mas já teme ter que repassar o aumento para o consumidor. “Por mais que a gente crie mecanismos para amenizar isso e até diminuir nossa margem de lucro, [um reajuste de] mais de 20% é difícil”, confessa.

Questionando a legalidade da medida da Aneel, o deputado estadual Tum (Avante), está organizando a apresentação de uma ação civil pública. De acordo com ele, “a agência reguladora, que tem autonomia de mexer na tarifa, deveria estar analisando quais são os prós e contras, analisar o que a Coelba não está cumprindo, para depois fazer aumento”. O ingresso da ação na Justiça deve acontecer no dia que o reajuste entra em vigor.

Tum foi o responsável pelo requerimento para instalar a CPI da Coelba na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA). O processo, porém, está travado há cinco meses. “Estão tentando engavetar a CPI por causa do ano das eleições e existe falta de interesse por parte dos parlamentares”, lamenta.

A Coelba diz que responde por 6,01% do reajuste anunciado pela Aneel. Sobre a audiência na Justiça, disse estar à disposição para participar de “debates construtivos”, apesar de ainda não ter sido notificada. 

Somente no último quadrimestre do ano passado, a Coelba teve um lucro líquido de R$ 10 bilhões, de acordo com dados que constam no relatório da CPI. Segundo dados da companhia, porém, o lucro líquido da Neoenergia Coelba em todo o ano de 2021 foi de R$ 1,6 bilhão.

Foto: Tácio Moreira - Metropress