Cavernas baianas classificadas como de "relevância máxima" poderão sofrer impactos irreversíveis após o presidente Jair Bolsonaro baixar um decreto, na última quinta-feira (13), que autoriza a construção de equipamentos de utilidade pública nestes locais. Para especialistas no tema, a legislação avança na permissividade do poder público quanto ao patrimônio natural do país.

 

Ao Bahia Notícias, o espeleólogo Thiago Matos, presidente da Sociedade Espeleológica Azimute, entidade de Campo Formoso filiada a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), disse que a própria estrutura do poder público, abre espaço para que as formações geológicas fiquem expostas às intervenções.

 

"Já era uma legislação que permitia muita coisa. Às vezes a compensação ambiental, como a legislação prevê, não vinha também de forma satisfatória, porque a caverna tinha que ser caracterizada de relevância máxima e muitas vezes não tinha alguém capacitado para ir até o local, pessoas agiam de má fé para não caracterizar assim e simplesmente fazer esse impacto irreversível na caverna", explicou o estudioso. 

 

A nova legislação define que os órgãos ambientais licenciadores sejam responsáveis pela liberação das construções nessas áreas e que os empreendedores adotem medidas compensatórias. Algumas medidas de preservação de espécies e de cavidades com material de destacada relevância histórico-cultural e religiosa estão previstas no texto.

 

O decreto do governo federal altera um regramento da década de 1990 que já havia sido mudada em 2008. Matos acredita que a mudança do presidente Jair Bolsonaro contribui com a possibilidade de destruição de inúmeras cavernas, grutas e cavidades subterrâneas. "Fomos na mão contrária, a gente tinha a chance de restringir ainda mais a questão e abrimos ainda mais", frisou.

 

Na Bahia, segundo o presidente da Sociedade Espeleológica Azimute, a Toca da Boa Vista, maior caverna em desenvolvimento horizontal do hemisfério sul do planeta, e a Toca da Barriguda, conhecida como a segunda maior formação do tipo presente no território brasileiro, são alguns exemplos de cavidades em risco. Ambas estão em localidades próximas a usinas de geração de energia eólica, que podem se aproximar cada vez mais depois da flexibilização.

 

Para ele, tanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quanto o Instituto Chico Mendes (ICMBio) "não têm braço para fiscalizar". Até o principal banco de dados sobre as cavernas, o Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE), apesar de gerido pelo ICMBio, depende do trabalho de grupos de entusiastas, que fazem a inclusão de informações no sistema.

 

Representando estes entusiastas, na última sexta-feira (14), uma nota da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) manifestou a posição da instituição sobre o assunto. No comunicado, ela denuncia os "vários retrocessos à legislação espeleológica nacional" presentes no texto do decreto e o repudia, acusando-o, inclusive, de inconstitucional.

 

A entidade acrescenta que o texto "foi produzido a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica e, claramente, mostra a interferência direta dos Ministérios de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental".

 

Além disso, afirmou a SBE, a "interferência visa à facilitação de licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas ao patrimônio espeleológico nacional e que, geralmente, estão associadas a atividades de alto impacto social".

 

A posição foi reforçada pela Rede Sustentabilidade. O partido impetrou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) a fim de questionar o decreto. Em caráter liminar, a Rede pede que seja declarada a a incompatibilidade da legislação com preceitos da Constituição, uma vez que a medida do governo federal está na "contramão da devida proteção constitucional resguardada a referidas formações geológicas - cuja biodiversidade é essencial para a vida em sociedade -, o que viola o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e todas as derivações daí decorrentes".