Os preços dos alimentos devem continuar pressionados no curto prazo, até os primeiros meses de 2022, projeta João Dornellas, presidente da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos). Na visão do dirigente empresarial, uma combinação de fatores tende a inviabilizar uma desaceleração mais consistente --ou até mesmo uma queda-- dos valores das mercadorias na reta final de 2021.
Essa lista inclui a demanda persistente por commodities agrícolas no mercado internacional, os reflexos das condições climáticas adversas, que prejudicaram lavouras no Brasil, e os custos de produção ainda elevados.
"No curto prazo, a gente, infelizmente, não vê uma tendência de diminuição dos preços. A pressão continua muito forte, assim como a demanda", afirma.
"As commodities estão chegando muito mais caras para a indústria na comparação com o pré-pandemia. Além disso, tivemos a alta do dólar. Tudo isso aumentou os preços dos alimentos."
Segundo Dornellas, o consumidor deve encontrar uma situação mais confortável nas gôndolas dos supermercados só depois do primeiro quadrimestre de 2022.
Essa estimativa está ancorada nas perspectivas de safras melhores no próximo ano, além de uma pressão de custos menos intensa.
Em 2021, a seca e o registro de geadas causaram perdas a lavouras diversas, o que impactou os preços de parte dos alimentos até o consumidor.
A crise hídrica ainda elevou os custos produtivos na indústria porque encareceu a geração de energia elétrica no Brasil. A bandeira de escassez hídrica, que aumenta a conta de luz, deve vigorar até abril do próximo ano.
"O clima pode ajudar no ano que vem e, com uma safra boa, a gente vai estar em uma situação melhor na questão dos preços dos alimentos", analisa Dornellas.
No período de 12 meses, até outubro, alimentos e bebidas acumularam inflação de 11,71%, de acordo com dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Ao longo de 2021, a disparada chegou a ser ainda maior.
O avanço ficou menor nos últimos meses, mas ainda permaneceu em nível elevado, acima do IPCA, que registrou variação de 10,67% até outubro.
Durante a pandemia, a demanda por commodities agrícolas ficou mais aquecida no mercado internacional. Nesse contexto, o dólar também avançou, causando uma pressão adicional para os preços dos alimentos.
Isso ocorre porque a moeda americana mais alta estimula as exportações de itens como soja, milho e carnes, o que pode reduzir a oferta no mercado interno.
O dólar acima de R$ 5 ainda encarece a importação de insumos usados na produção de alimentos, como os fertilizantes, e combustíveis, necessários para o transporte da comida do campo até a mesa.
Em meio a esse cenário, a Abia propõe uma medida que flexibiliza as regras de validade de alimentos no Brasil.
A entidade sugere a adoção do conceito de "best before" (consumir preferencialmente antes de). Esse modelo já vigora em países do exterior, em regiões como a Europa, cita a entidade.
Por meio dele, alimentos podem perder frescor ou nutrientes após determinada data, mas ainda continuam seguros para o uso. O sistema atual no Brasil busca impedir a venda e o consumo de itens fora do prazo de validade.
O conceito de "best before", diz a Abia, não valeria para todos os alimentos. Produtos altamente perecíveis, como leite em embalagens plásticas e carnes frescas, ficariam de fora.
A Abia espera uma posição do governo federal sobre o tema após o primeiro trimestre do próximo ano, afirma Dornellas.
Na visão da entidade, o novo modelo, se fosse vinculado a rígidos programas de qualidade, ajudaria no combate ao desperdício de alimentos.
"É uma proposta que estamos fazendo. Vai facilitar o combate ao desperdício", diz.
"A legislação atual cria a ideia de que a qualidade do produto é alta até a data de validade e depois cai a zero. A partir daí, os alimentos estariam impróprios para o consumo. Não é assim. O produto sai da indústria e vai perdendo pouco a pouco. Um biscoito, por exemplo, poderia ficar menos crocante [após o prazo preferencial para consumo]."
A Abia afirma que a indústria de alimentos operava em setembro com 76% da capacidade instalada. O faturamento do setor em 2021 deve alcançar R$ 173,3 milhões, 23,9% a mais do que o registrado no ano passado, indica a entidade.
Durante a crise sanitária, o avanço dos preços dos alimentos e as dificuldades no mercado de trabalho levaram brasileiros a buscar mais doações e até mesmo sobras de mantimentos.
Em Fortaleza (CE), por exemplo, um vídeo recente mostra um grupo à procura de comida em um caminhão de lixo.
Outros casos que ficaram conhecidos foram registrados no Rio de Janeiro, onde outro caminhão distribuía restos de carne, e em Cuiabá (MT), que teve filas em busca de doações de ossos de boi.