Prefeitura e governo vêm sendo pressionados pela definição a respeito da realização ou não do Carnaval em Salvador. De um lado os setores que dependem da realização da festa pensam sob o ponto de vista econômico. Do outro está a saúde e o fato de a crise sanitária causada pela Covid-19 ainda ser uma realidade. Do ponto de vista científico, a grande questão está no cenário de incertezas, mesmo que a data para a festa esteja relativamente próxima. O infectologista Adriano Oliveira argumenta que a situação epidemiológica pode mudar rapidamente.
“O grande problema é que o Carnaval exige meses de preparação e para um vírus que pode mutar daqui para ali é suficiente para o caos se estabelecer", alertou o especialista ao sinalizar que atualmente o “estágio [é] de tranquilidade tal que permite sim fazer grandes eventos”. “Mas nenhuma atitude vai ser 100% segura, sempre vai correr riscos”, acrescentou.
Sob esse mesmo argumento de que os números podem ter variação em curto período de tempo, o infectologista Robson Reis ainda acrescenta que nesse intervalo de tempo até o Carnaval algumas ações podem vir a contribuir para aumento do número de casos da Covid-19. Ele cita como exemplo comportamentos típicos do período de fim e início de ano como aumento da frequência de pessoas nos centros de compras, festas de confraternização, festas de Natal e Réveillon, além da possibilidade de nesse período ainda haver flexibilização para um número maior de público nos eventos, e em relação ao uso de máscaras, como já vem ocorrendo em alguns municípios. “Entendemos que não é decisão simples, sabemos da importância econômica e social da festa, mas tem que pensar nos riscos que envolvem o Carnaval”, ponderou o médico.
O doutor em Virologia e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Gúbio Soares, adota um tom ainda mais cauteloso e sugere que o ideal é que eventos no patamar do Carnaval sejam realizados apenas em 2023. “Tem que focar ainda na vacinação, controles, uso de máscaras, esse ano e ano que vem, e deixar para fazer o Carnaval em 2023 porque a gente vai ter 2022 todo para ver como o Brasil funciona”, defendeu ao citar o novo repique de casos que a Europa vem enfrentando (entenda melhor aqui). Um dos exemplos citado pelo professor é a situação vivida na Alemanha, que nesta semana bateu recorde de 50 mil novos casos da infecção em um dia.
Em Salvador, a Comissão Especial de Acompanhamento da Retomada dos Eventos da Câmara Municipal (CMS) pediu para que o prefeito Bruno Reis (DEM) e o governador Rui Costa (PT) anunciem até o dia 15 de novembro de 2021 a decisão sobre a realização do Carnaval de 2022 (relembre aqui). O petista reforçou o posicionamento contrário ao anúncio da realização da festa (leia mais aqui). E o prefeito ainda não rechaça a ideia, mas admite a possibilidade de adiamento (veja aqui).
O secretário da Saúde de Salvador, Leo Prates, apontou incoerência na postura do governo estadual que autorizou a presença de 70% de público nos estádios e a venda e consumo de bebida alcóolica (leia mais aqui), enquanto o decreto permite eventos com até três mil pessoas. O gestor fez uma série de questionamentos à equipe técnica da Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) (leia mais aqui).
Para Robson Reis, é necessário e importante aumentar capacidade de público nos eventos, mas uma série de pontos precisam ser observados para que isso aconteça de modo a minimizar os riscos. “O mais importante é avaliar não somente o quantitativo de pessoas naquele evento, mas se o evento reúne condições de, de certa forma, proporcionar condições para minimizar os riscos”, alertou o médico ao citar como exemplo a disposição de espaço para, caso a pessoa opte por isso, manter distanciamento, e também uso de máscara. “Se naquele local consegue manter distanciamento mínimo, isso muitas vezes é dificil, mas se optarem por isso, existir condições em termos de espaço é importante”, argumentou.
E SE RIO E SÃO PAULO FIZEREM CARNAVAL?
Ao defender diálogo com todos os setores envolvidos para a definição do Carnaval, Leo Prates argumentou que se a festa acontecer no Rio de Janeiro e em São Paulo, Salvador sofreria os impactos. Segundo ele, a capital baiana “pagaria a conta”.
Para Gúbio Soares e Robson Reis, caso Salvador decida por não fazer a festa, o risco diminui, mesmo que algumas pessoas daqui viajem para esses locais para curtir a folia momesca.
“Em relação a Salvador não realizar, pode ter sim aumento do número de casos, principalmente entre aqueles que decidiram curtir lá. Mas sem dúvida esse risco é muito menor do que uma festa em si realizada na cidade. Não estou dizendo que sou contra, estou dizendo que o impacto de uma festa aqui é muito maior do que uma realizada em outros estados”, afirmou Robson.
O infectologista Adriano Oliveira considera que é uma “via de mão dupla”. “Salvador só contribuiria para o caos porque do mesmo jeito que Rio e São Paulo vão prejudicar Salvador, se Salvador fizer vai potencializar essa atitude possivelmente trazendo o vírus para o Brasil que possa se espalhar inclusive para Rio de Janeiro e São Paulo. É uma via de mão dupla”, disse.
Um ponto que os três especialistas destacaram é a possibilidade de chegada de variantes do Sars-Cov-2, principalmente considerando atual cenário epidemiológico com nova escalada de casos vivido em alguns países.
“Vamos supor que a gente libere [a realização da festa] e surge lá na Tailândia uma variante resistente aos anticorpos produzidos pelas vacinas atuais - que não é uma coisa improvável - e que um viajante de lá traga o vírus: pronto, trouxe o caos”, ponderou Adriano Oliveira em um argumento repetido por Gúbio Soares e Robson Reis.