A conselheira federal do CFM (Conselho Federal de Medicina) Rosylane Nascimento das Mercês Rocha disse que o órgão não vai mudar o parecer sobre a autonomia do médico para receitar o medicamento que achar necessário contra a Covid-19.
Segundo ela, os médicos são livres para receitar os medicamentos do "kit Covid" para o chamado tratamento precoce, se acharem necessário e com o consentimento do paciente. Remédios como cloroquina e ivermectina, que costumam fazer parte desse rol, já se mostraram ineficazes contra a doença.
A declaração foi dada em audiência pública nesta quinta-feira (4) na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, que ocorreu na Câmara dos Deputados.
"Sobre a medicação que está sendo prescrita, se o paciente concorda e ele [médico] se sente seguro em fazer essas prescrições, ele também está sendo protegido pelo parecer. O parecer não recomenda nenhum tipo de prescrição, nem de cloroquina nem de hidroxicloroquina nem de outra medicação", disse.
"O que nós precisamos é ter mais humildade e aguardar mais estudos. As pessoas que são contrárias a determinadas terapêuticas só leem os artigos contrários. Aquelas que são favoráveis só leem, muitas vezes, os artigos que são favoráveis. A crítica, o raciocínio, a propriedade da ciência, da verdade não tem. O que a gente precisa é ter cautela, aguardar os estudos, orientar os médicos e respeitar a autonomia dos médicos e dos pacientes", continuou.
Rocha ressaltou que somente os conselho regionais de medicina e o Conselho Federal de Medicina podem dizer o que é ético e o que não é ético, não são grupos de médicos.
A fala foi uma resposta a declaração da médica Ceuci de Lima Xavier Nunes, representante da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia, que fez duras críticas ao posicionamento do CFM.
Nunes chamou de "desserviço" a decisão do conselho de não mudar o posicionamento depois de quase dois anos do início da pandemia da Covid-19. Para ela, a autonomia do médico tem limite, e o parecer induz à prescrição de medicamentos comprovadamente ineficazes.
"Eu acho que o CFM fez um grande desserviço ao Brasil e aos médicos com essa nota, causou perplexidade, inclusive. É incrível que a gente tenha sociedades médicas ligadas à doença como Sociedade Brasileira de Infectologia, Sociedade Brasileira de Pneumologia, Amib [Associação de Medicina Intensiva Brasileira], Sociedade Brasileira de Pediatria se posicionando contra a utilização dessas medicações e o CFM mantém mais de um ano e meio depois a mesma nota", disse.
Ela lembrou a última votação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS), dizendo que há um alinhamento da entidade com o governo e o negacionismo. Das entidades, o CFM foi contrário ao relatório que não recomenda o "kit Covid" para pacientes com suspeita ou diagnóstico de Covid-19, em tratamento ambulatorial.
O posicionamento do CFM também foi criticado pelo deputado Jorge Solla (PT-BA), que comandava a audiência pública. Ele chegou a propor uma nova audiência para discutir até onde vai a autonomia médica.
Segundo ele, a audiência desta quinta (4) foi convocada após uma fala do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na ONU (Organização das Nações Unidas), em setembro.
Na ocasião, o presidente disse que a recomendação do CFM teria servido de fundamento técnico para a adoção do "tratamento precoce" como uma política pública no enfrentamento à pandemia de Covid-19.
"Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial", afirmou o presidente na ocasião.
Rocha aproveitou para dizer que desconhece a fala e o contexto, sendo que os informativos do conselho são direcionados a médicos. Outros profissionais não devem seguir as normativas. "Até onde me consta o presidente da República não é médico", disse.