Embalada pelo sucesso da vacinação contra a Covid, a Pfizer preparou uma estratégia para lidar com a doença nos próximos anos. A empresa já entregou mais de 1 bilhão de vacinas contra o coronavírus e espera produzir ao menos 2 bilhões adicionais de doses neste ano. Para 2022, diz ter capacidade de gerar mais 4 bilhões.
 

"Virtualmente todos os países do mundo estão discutindo conosco sobre doses adicionais", disse Albert Bourla, CEO da empresa, em conversa com investidores no final de julho.
 

Para dar conta da demanda, a produção está sendo espalhada por vários países. Como parte dessa estratégia, no fim de agosto, a Pfizer anunciou uma parceria com a farmacêutica brasileira Eurofarma para fabricar 100 milhões de doses por ano no Brasil.
 

Isso apesar de, no Brasil, ter havido atritos com a gestão de Jair Bolsonaro. A empresa disse que ofereceu vacinas ainda em 2020, mas não obteve resposta. Depois, no começo de 2021, o governo se recusou a fechar a compra por questionar cláusulas do negócio, mas acabou fazendo um acordo e encomendou 100 milhões de doses em março e mais 100 milhões em maio.
 

Agora, o governo federal dará preferência para a Pfizer na aplicação da terceira dose, um dos mercados que a Pfizer está pronta para explorar.
 

Além disso, o ciclo vacinal inicial está longe de se completar na maioria dos países. Em todo o mundo, distribuíram-se 5,38 bilhões de doses de vacinas da Covid. Como a aplicação geralmente é feita em duas partes, há bilhões de pessoas ainda a serem imunizadas, especialmente na África, no Oriente Médio, no Sudeste Asiático e na América Latina.
 

A Pfizer também busca abrir novos flancos, como um tratamento oral para a Covid. Está em testes o fármaco PF-07321332, que foi projetado para bloquear uma enzima necessária para o coronavírus se multiplicar.
 

O laboratório saiu na frente várias vezes ao longo da pandemia. Nos Estados Unidos, conseguiu ser o primeiro a ter aprovação definitiva do FDA (órgão que aprova medicamentos nos EUA), em agosto, será opção para a terceira dose no país (ao lado da Moderna) e também está na frente para obter autorização para o uso do imunizante em menores de 12 anos, o que deve ocorrer até o fim do ano.
 

A aprovação definitiva nos EUA abriu espaço para que mais empresas e órgãos de governo exijam a vacinação de seus colaboradores, pois tirou o argumento de grupos antivacina de que se tratava de um produto experimental.
 

Esse pioneirismo, que tem feito diferença no enfrentamento da doença, também gera bons resultados financeiros.
 

Para este ano, o faturamento esperado com o imunizante é de US$ 33,5 bilhões (cerca de R$ 173,6 bilhões), o que representa quase metade das receitas da empresa, que também atua em áreas como a de remédios oncológicos e para doenças raras. Em média, há lucro de 20% com a vacina, antes dos impostos.
 

O ganho é dividido meio a meio com a empresa alemã BioNTech, que ajudou a desenvolver o produto, agora chamado de Cominarty. O nome, uma combinação das palavras [em inglês, no original] comunidade, Covid, imunidade e mRMA, obedece a uma estratégia de marketing com o objetivo de aumentar a confiança na vacinação .
 

"Seguimos confiantes em nossa habilidade de atingir uma taxa de crescimento anual superior a 6% até 2025", disse Albert Bourla, CEO da empresa, em conversa com investidores em julho. Na bolsa de Nova York, as ações da empresa subiram de US$ 39 para US$ 46 nos últimos dois meses. Em cinco anos, acumulam alta de 45%.
 

"Acreditamos que o negócio da Covid será similar ao negócio da gripe. Mas precisaremos monitorar para saber se a aplicação de imunizantes será anual ou conforme houver alta no risco de infecção", disse Mikael Dolsten, diretor de pesquisas da empresa, no mesmo evento.
 

Acertar o planejamento da produção é um desafio no setor. "Para lidar com surtos sazonais, é preciso ter vacinas que já tenham sido compradas às vezes seis meses antes. E, se os produtos são parecidos, vira uma disputa mais comercial, como quem consegue um prazo melhor para a entrega", diz Andrea Kohout, consultora do setor de farmácias, que já trabalhou com compras de imunizantes.
 

As vacinas da Covid são vendidas a preços menores para países de renda média (geralmente por metade do valor oferecido para países ricos) e a preço de custo a nações pobres. Por enquanto, os contratos são feitos apenas com governos nacionais.
 

"Com base no acordo firmado e na disponibilidade de doses alocadas para o Brasil, neste momento não temos como dar andamento a uma negociação de fornecimento para estados, prefeituras e empresas privadas", disse a Pfizer Brasil à Folha.
 

Segundo a filial brasileira, a Pfizer investe US$ 8 bilhões por ano em pesquisas e está atualmente com mais de cem novas moléculas em estudo, com foco em suprir necessidades médicas ainda não atendidas. "A companhia nunca teve, em toda sua história, um pipeline [fluxo de produção] tão promissor", afirmou, em nota.
 

A empresa foi criada em 1849 em Nova York por dois imigrantes alemães, Charles Pfizer e Charles Erhart. Começou vendendo um vermífugo e depois passou a fazer produtos químicos, como ácido cítrico. No começo do século 20, se especializou em fermentação, o que seria útil para produzir antibióticos em massa, como a penicilina.
 

Antes da vacina atual, o maior sucesso da empresa tinha sido o Viagra, remédio pensado inicialmente para problemas cardíacos, mas que depois se descobriu que era capaz de facilitar ereções. O comprimido foi lançado em 1998, com uma grande campanha de marketing.
 

Agora a Pfizer prepara uma outra grande ação publicitária para levar mais gente a preferir seu imunizante. Nos EUA, pode-se escolher livremente qual marca tomar: o fabricante da dose é informado já no momento de fazer o agendamento.
 

A vacina da Covid foi grátis para todos nos Estados Unidos, mas foi uma exceção. Como o país não tem rede pública de saúde, o governo faz com que planos de saúde ofereçam vacinas gratuitamente ou a baixo custo aos segurados. E pessoas pobres podem ter planos pagos pelo governo, como o Medicaid.
 

A Pfizer preferiu não receber recursos públicos para pesquisa de vacinas da Operação Warp Speed, criada no governo de Donald Trump. No entanto, em julho de 2020, o governo dos EUA acertou a compra inicial de 100 milhões de doses, por US$ 2 bilhões, e a empresa passou a integrar a operação. A alta eficácia da vacina, frente a outros imunizantes, atraiu a atenção do público e dos governos.