Pela primeira vez, institutos de pesquisa conseguiram olhar para a Amazônia como um todo e apontar onde houve exploração de madeira no bioma. O resultado: 464.759 hectares foram usados para este tipo de atividade entre agosto de 2019 e julho de 2020. A área representa cerca de três vezes a da cidade de São Paulo.
 

Pelo menos 11% dessa exploração ocorreram em áreas protegidas, segundo o trabalho da Rede Simex, formada por Imazon, Idesam, Imaflora e ICV (Instituto Centro de Vida). A extração madeireira é ilegal quando ocorre em locais como unidades de conservação de proteção integral e terras indígenas.
 

Segundo a Rede Simex, o território indígena Tenharim Marmelos, no Amazonas, foi o mais explorado no período em questão, com 6.330 hectares de madeira retirados. Em seguida, aparecem duas terras indígenas do Mato Grosso: Batelão (5.278 hectares) e Aripuanã (3.082 hectares).
 

Entre as unidades de conservação, o Parque Nacional dos Campos Amazônicos —uma área de proteção integral— é o líder do ranking de explorados, com mais de 9.000 hectares retirados.
 

A exploração de madeira também pode ser ilegal caso não haja autorização de órgãos ambientais para a retirada de árvores. O problema é que, atualmente, é muito difícil saber exatamente o que é retirada legal ou ilegal de madeira. Isso acontece porque a maior parte dos estados não torna públicas as autorizações de supressão vegetal.
 

Hoje, somente Mato Grosso e Pará têm dados abertos sobre em quais áreas pode ser feita a retirada de árvores com valor comercial e em quais isso é proibido.
 

Com essa informação, é possível cruzar imagens de satélite das áreas onde houve retirada de madeira com as coordenadas do local para determinar se a atividade de extração é legal ou ilegal. proporcionalmente representativas e neles é possível apontar o grau de ilegalidade. O Mato Grosso é o líder do ranking de estados com mais áreas exploradas no país, responsável por 50,8% do total. Em seguida, aparecem o Amazonas (15,3%), Rondônia (15%) e o Pará (10,8%).
 

Segundo Marco Lentini, coordenador-sênior de projetos do Imaflora, a Rede Simex tentou contato com os estados para conseguir os dados de autorização de derrubada de árvores. A tentativa, porém, não teve sucesso.“Estamos há um ano e meio tentando abrir essas informações”, afirma ele.
 

Alguns estados chegaram até passar os dados, mas eles estavam incompletos. Em um dos casos, CDs foram enviados com uma parcela das informações pedidas —um dos discos estava em branco.
 

O especialista do Imaflora afirma que a intenção é dar continuidade a essa visão global da floresta —e, ao mesmo tempo, olhar para cada estado; em breve, relatórios específicos serão publicados— e conseguir, em algum momento, o acesso aos dados necessários para apontar o grau de ilegalidade na extração de madeira em toda a Amazônia.
 

Mas, mesmo quando todos os dados forem públicos, outro problema permanecerá. Segundo Lentini, os sistemas de licenças e de fiscalização ainda têm falhas que possibilitam ilegalidades.
 

Nos planos de manejo de determinadas áreas onde a exploração é permitida, por exemplo, é possível inflar o volume de árvores para corte existentes no local. Esse valor adicional é então usado para dar aparência de legalidade à madeira retirada de zonas proibidas, como terras indígenas.
 

Em 2018, uma investigação do Greenpeace Brasil apontou o uso de árvores imaginárias para legalizar cortes ilegais de ipê.
 

O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles acabou envolvido em uma situação relacionada a madeira possivelmente ilegal. Após a maior apreensão de madeira da história do Brasil, Salles se posicionou ao lado de empresas acusadas de serem uma organização criminosa.
 

Salles ainda acabou sendo alvo de operação da Polícia Federal que informou a existência de R$ 14,1 milhões em transações financeiras atípicas envolvendo um escritório de advocacia ligado ao ex-ministro.
 

De toda forma, Lentini defende o manejo madeireiro adequado e diz que é preciso separar quem trabalha dentro da lei e quem atua fora dela.
 

Segundo pesquisas, a retirada de algumas árvores específicas é muito prejudicial para a Amazônia. O corte seletivo faz parte do que é conhecido como degradação, processo composto também por queimadas.
 

A degradação leva ao empobrecimento e enfraquecimento da floresta, ou seja, uma mata mais frágil. “A degradação que vai acabar levando a floresta à grilagem e ao desmatamento”, diz Lentini.
 

E esse processo já é extremamente amplo. Atualmente, a área degradada na Amazônia já é maior do que a desmatada. Um estudo publicado na revista Science mostrou que, de 1992 a 2014, a área de floresta degradada era de de 337 mil km², contra 308 mil km² de desmate.
 

Além da floresta mais frágil, processos de degradação como queimadas emitem gases-estufa. Isso sem contar que as matas degradadas passam a emitir mais carbono do que absorver, algo preocupante em um cenário de crise climática apontado pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima).
 

Segundo uma correspondência publicada, na última semana, na revista Nature Geoscience, as emissões por degradação na Amazônia brasileira são quase equivalentes às ligadas ao desmatamento. Isso é especialmente relevante ao se pensar que o desmate é a principal fonte das emissões brasileiras de gases-estufa.
 

Pensando nisso, o texto publicado na revista pede a inclusão do assunto nos temas que serão discutidos na COP-26, a conferência climática da ONU, que ocorrerá em novembro, em Glasgow, na Escócia.
 

“Não estamos contabilizando as emissões relacionadas à degradação. Se o Brasil começar a computar isso, a gente vai mudar o nosso posto entre os mais emissores”, afirma Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e uma das autoras da correspondência. “É importante a gente trabalhar não só para deixar a floresta em pé, mas deixá-la em pé com qualidade.”