"Que beijinho doce. Foi ele quem trouxe de longe pra mim. Se abraça apertado, suspiro dobrado. Que amor sem fim." As frases que compõem Beijinho Doce, clássico da música caipira que ficou conhecido nas vozes das irmãs Galvão, aos poucos foram desaparecendo da mente de Marilene Galvão. A cantora de 79 anos, diagnosticada com Alzheimer há pouco mais de 10 anos, já não lembra mais as letras das canções.  

Ao lado da irmã, Mary Galvão, de 81 anos, as duas construíram uma das carreiras mais sólidas e duradouras da música popular brasileira. Em 74 anos de parceria, elas gravaram mais de mil discos e venderam cerca de 11 milhões de cópias. A doença, no entanto, levou ao fim da dupla. Em entrevista ao R7, Mary falou sobre a evolução do quadro da irmã, relembrou o início da carreira e a dificuldade em lidar com o encerramento do ciclo.

"Nós já estávamos nos preparando para isso. Mas quando chega na hora, meu filho, só quem está na história é que sabe. É difícil para todo mundo. Não é nada fácil. E, na verdade, ela nem sabe. E não adianta dizer que parou, porque ela está esperando. Todo dia ela arruma a mala para viajar. É dessa forma que a doença leva a pessoa", disse. 

A doença

R7 - Como foram esses anos desde o diagnóstico?
Mary Galvão - A Marilene foi diagnosticada com Alzheimer há 10 anos. Ela vem fazendo um tratamento especializado. No entanto, o Alzheimer não tem cura e tem um processo que a cada tempo ele aumenta. Durante esses 10 anos, a gente conseguiu fazer os shows, viajar, mas agora foi o esquecimento total. Ela não se lembra das letras. Ela quer viajar. Ela não entendeu essa pandemia. A gente fica nessa situação, porque não tem retorno. 

R7 - Como ela vinha lidando com a doença? 
Mary - Ela estava feliz. Mas nós, eu e os músicos, estávamos percebendo a evolução da doença. Quem mais sentiu nessa história foi por conta dessa situação dela estar regredindo. Nós já começamos a nos preparar para isso. Mas quando chega na hora, meu filho, só quem está na história é que sabe. É difícil para todo mundo. Não é nada fácil. E, na verdade, ela nem sabe. E não adianta dizer que parou, porque ela está esperando. Todo dia ela arruma a mala para viajar. É dessa forma que a doença leva a pessoa. 

R7 - Como ela está hoje? 
Mary - Ela ainda pergunta de algumas pessoas. A pessoa chega e ela não se lembra, mas daqui a pouco ela começa a associar nas conversas. Mas ela está muito bem. Muito bem acompanhada pelo médico especialista na doença. Desde o começo ele já tinha nos preparados sobre o andamento da doença, que seria esse. E é exatamente o que nós estamos vivendo agora. 

Fim da dupla

R7 - Você já vinha se preparando para esse momento?
Mary - Eu tinha que me que preparar. Nós fizemos tudo direitinho. Fizemos os shows. A gente foi mudando de acordo com o estado de saúde dela. O que podia fazer no show anterior, por exemplo, se a gente percebia alguma mudança, então a gente já mudava o andamento do trabalho. Ela estava muito feliz. Ela não sabe de nada.

R7 - Como foi para você o fim da dupla? 
Mary - Para mim foi muito difícil. Eu sabia que nós estávamos chegando ao fim. Ela não tinha noção, como não tem noção até hoje. Ela me pergunta quando é que nós vamos cantar. Dois minutos depois ela esqueceu. Para mim, não foi fácil. Eu pensei que estava preparada. Não estou lamentando nada, porque tudo o que fizemos foi direitinho. Começaríamos tudo outra vez se tivéssemos 7 anos e 5. Agora, com as nossas idades, é difícil. Já não é a mesma coisa.

Carreira

R7 - Como foi o início da carreira?
Mary - Eu tinha 7 anos e ela 5 quando nós começamos a cantar. Muito crianças e a gente cantando o repertório de outras duplas. Cantamos em circos, fazendo shows em circos, teatros pelo interior. Eu Meire, sou nascida em Ourinhos. Fomos morar em Paraguaçu Paulista quando fomos cantar na Rádio Club Marconi, de Paraguaçu Paulista. Onde, agora, tem um memorial nosso. 

R7 - Qual o balanço que você faz desses 74 anos? 
Mary - A gente fez tudo com muito respeito pela música sertaneja. Fizemos com muito respeito com As Irmãs Galvão. Porque duas meninas, sem saber o que estava acontecendo com a vida delas, a gente tem isso como um talento vindo de Deus. Se eu tentar fazer uma retrospectiva, eu vou te falar... Eu tenho o maior orgulho dessa carreira. Nós sempre enxergamos a música como a nossa profissão. Nós fomos moldadas para isso. Desse jeito. Dessa forma. Então, nós não sentimos a diferente de uma costureira, uma médica, uma advogada. Nós éramos artistas. Não mudaria nada.

R7 - Vocês sofreram preconceito? 
Mary - No nosso caso foi diferente porque criança se apresentando, cantando bonitinho, é diferente. As pessoas aceitam. Depois, a gente foi crescendo. Só para você ter uma noção, até hoje nós somos chamadas de meninas. "Olha, as meninas chegaram". São as meninas de 70 anos atrás. Para nós, não vou dizer que não tivesse a dificuldade, mas nós tivemos tanta humildade com relação ao que vinha, da forma que vinha, porque não se tinha outra coisa. A gente não tinha ideia desse preconceito.

R7 - Hoje em dia, a sua visão em relação a isso é outra? 
Mary - Hoje, sim. A gente sabe que a coisa é forte. As duplas que passaram junto com a gente nós comentamos exatamente sobre isso. Quanta coisa a gente poderia ter feito e não fizemos. E não fizemos porque não deram oportunidade. E para nós aquilo estava certo. Se pudéssemos começar agora do zero, faríamos tudo diferente.

Deixe seu Comentário